quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Sobre Orange is the New Black e a compaixão...


Passei o Carnaval assistindo as 2 temporadas de Orange is the New Black enfiada dentro de casa com o marido e o cão com uma chuvinha bastante propícia para tanto.

Para quem não sabe, esta série do Netflix inspirada em uma história real se desenvolve ao redor da história de uma mulher em seus 30 e poucos anos (ou menos!) da classe média alta nova-iorquina condenada a cumprir 15 meses numa prisão feminina federal por ter participado do transporte de uma mala de dinheiro proveniente do tráfico de drogas a pedido da sua ex-namorada.

Mais interessante até do que a transformação de Piper neste atípico ambiente e do que o desenrolar da doentia relação amorosa com sua ex-namorada que constantemente a está colocando em maus lençóis, foi a análise e reflexão sobre cada uma das personagens secundárias e de como essas histórias estão aí todos os dias ao nosso lado sem que sequer nos demos conta.

Devo dizer que a série é muito bem escrita e as atuações no geral me agradaram bastante, mas assistir a essas 2 temporadas me deixou com o estomago embrulhado o feriado inteiro! Pensar em como o sistema é podre, em como meninas entram em uma prisão com mínimo potencial ofensivo e saem (se é que saem pois quase sempre voltam) como perigosas criminosas frias e calculistas e totalmente descrentes quanto à capacidade do Estado de protege-las ainda que minimamente é um soco na cara. Por outro lado, relembrar que, o que a primeira vista parece ser apenas uma criminosa é uma mulher com uma história, com dores, com traumas e, quase sempre, com algum lado bom e capaz de ao menos algum tipo de gesto solidário e humano me deu um certo desanimo geral quanto ao que eu realmente posso fazer para melhorar esse mundo tão fucked up

Claro que estamos falando de uma prisão de segurança mínima nos Estados Unidos, certamente muito romantizada para prender o interesse do espectador. Fico imaginando como será a realidade... ainda mais no Brasil! Paro de imaginar, do contrário acho que não conseguiria sequer seguir com minhas atividades diárias. É tudo muito triste!

Por exemplo, uma das cenas que mais me tocou foi a da feira de adoção em que a menininha negra tenta se destacar para ser adotada e acaba mais uma vez frustrada e por fim cooptada por uma traficante que acaba preenchendo uma lacuna materna de forma bastante doentia... Pensei na quantidade de crianças nessa situação no nosso país.  Não pude deixar de pensar nas fotos de barriga “de book” de grávidas contra o aborto do alto de suas vidas confortáveis com seus filhos e filhas lindos e bem cuidados enquanto essas crianças “se esforçam” para serem amadas um pouquinho que seja!

O processo todo de Piper e de outras personagens na prisão mostrou mais uma vez o que já tinha lido em livros (como o em “Em Busca de Sentido” do psiquiatra Viktor E. Frankl) isto é: como o ser humano vai se tornando insensível ao sofrimento alheio (e ao próprio também) em situações extremas prolongadas! Nos tornamos insensíveis para sobreviver! É isso que fazem as prisioneiras, é isso que fazem os agentes de carceragem sobreviverem e é isso que fazemos nós da classe média! Como sobreviver em um mundo como este de outra forma? Como levantar da cama e ir trabalhar em nossas atividades corriqueiras tão sem sentido perto de tantas coisas horríveis que estão acontecendo no mundo todo? Seres humanos sendo queimados pelo Estado Islâmico, meninas e mulheres sendo estupradas e assassinadas diariamente no mundo todo, fome, guerras, desespero... como seguir em frente a cada dia a não ser criando uma película de insensibilidade?

E aí, no meio de tudo isso e de todos esses sentimentos, ontem veio a minha menstruação! Primeiro dia do 14º ciclo de tentativas... Literalmente um dia de sangue e lágrimas! Começo a pensar em como não aguento mais dividir meu mês em 2 e a segunda parte não passar nunca... Ficar olhando cem vezes por dia para o aplicativo que controla minha fertilidade daquele mês, pensar TODO santo ciclo na DPP e nas vantagens de cada signo... Não aguento mais a tristeza a cada 1DC... E como se já não fosse dolorido o suficiente ainda tem que ser com cólica, com dor e uma enxurrada de sangue para não deixar dúvidas de que NÃO CONSEGUI MAIS UMA VEZ!!!!

E então, assistindo ao 8º episódio da segunda temporada no qual a protagonista consegue uma licença para visitar sua avó moribunda e é odiada pelas demais detentas por tal privilégio (já que de fato outras não haviam conseguido esse indulto nem para morte de pai e mãe, dentre outras situações!) dois sentimentos aparentemente contrastantes me invadiram.

O primeiro foi o quanto os privilégios nos beneficiam quer nós queiramos ou não! A Piper não fez nada de especial (a não ser se branca e rica) para conseguir a licença que todas as outras não conseguiram e, de fato, se sentia mal por ter sido privilegiada neste sentido, sentimento este que em nada muda o sofrimento genuíno pela iminente morte de sua amada avó. Aparentemente, como disse a Poussey: “avó branca doente ganha de mãe negra morta!” e, é claro, a protagonista é acusada de ter tido uma vida “fácil” e ter sempre um tapete vermelho estendido a seu dispor. Mas olhando um pouco mais profundamente perceberíamos, por exemplo, que a avó de Piper supria uma figura materna bizarra que era sua mãe, que sim, lhe deu conforto e a mimou, mas também contribuiu grandemente para as frequentes decisões zuadas e as falhas de caráter evidentes presentes na personagem!

E, então, o segundo sentimento, de novo, como já escrevi aqui também que é o como “julgar o sofrimento alheio é algo tão equivocado quanto injusto pois a dor não tem medida e muito menos escala!”. Há sempre alguém sofrendo um sofrimento “mais legítimo” do que o nosso! Taystee (a menina que se esforçava para ser adotada e acabou passando a vida entregue ao sistema, seja em orfanatos, febens e prisões) em algum momento jogaria na cara de Poussey que “ela não tinha pai militar para ajudá-la e ampará-la”. E se fossemos continuar com este “exercício” poderíamos ir ao infinito e além pois está mais do que provado que a maldade e a perversidade humana não conhecem limites...

Qual o caminho então? Como não banalizar o sofrimento alheio e ao mesmo tempo não afundarmo-nos em desespero ao pensar em todas as pessoas que sofrem ao nosso redor? Como posso viver sem culpa meu sofrimento pelo filho que não vem e ajudar o mundo a ser um lugar melhor?

Não é possível continuarmos a viver com essa capa de insensibilidade que nos faz olhar para o lado cada vez que uma criança nos pede dinheiro na rua, que nos faz cegamente acreditar que compartilhar um post de revolta contra políticos no Facebook é realmente “fazer a nossa parte” e que uma foto da sua linda barriga resolve o problema de milhares de mulheres e crianças miseráveis em todos os sentidos possíveis! Também não é compartilhando indiscriminadamente desgraça após desgraça ou vídeos escatológicos com crianças e animais sofrendo que estaremos fazendo do mundo um lugar melhor!

Não tenho uma resposta pronta... estou em busca dela mas, após um feriado chuvoso, no aconchego da minha família, regado a pizza e vinho, posso dizer que a gratidão pelo que temos em oposição à amargura e à auto complacência, combinada à empatia e compaixão em relação ao problema do outro me parece um caminho viável e mais amoroso!

Conceito nada inovador, eu sei, mas ainda assim tão em falta...

Um velho monge budista nos explica: “O sofrimento empático vem antes da compaixão. O poder da compaixão está além do sofrimento pessoal e está focado em soluções, no que pode ser feito”. O velho iogue explicou aos neurocientistas que quando a compaixão surge, o sofrimento é transcendido e a atenção se volta a como ser útil. O sofrimento é o combustível da compaixão, não o seu resultado. (Trecho extraído do livro “Budismo com atitude“, por Alan Wallace.)

Também na Bíblia encontramos em Tiago 2:15-17: “Se o irmão ou a irmã estiverem nus, e tiveram falta de mantimento cotidiano, 16 e algum de vós lhes disser: Ide em paz; aquentai-vos e fartai-vos, mas não lhes derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito há nisso? Assim também a fé, se não tiver obras, é morta em si mesma.”

Quem diria que uma maratona de OITNB me traria tamanho material para reflexão e tantos sentimentos... 


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