Hoje, enquanto lia o
Blog da Lola, me deparei com esse texto e
não consegui tirar ele da minha cabeça... ficou martelando lá no fundo como uma
goteira chata quando você não fecha a torneira do banheiro direito...
Todas as mulheres que
eu conheço tem pânico do estupro classicamente retratado na mídia. O do
desconhecido na esquina escura, provavelmente fedendo a cachaça, que tapa a sua
boca ou coloca uma arma na sua cabeça enquanto te penetra violentamente. Já
ouvi de mulheres e já falei também muitas vezes que reagiria a um assalto se o
cara quisesse me levar junto pois “melhor tomar um tiro do que ser estuprada”.
De fato, é esse o estupro que temos em mente quando pensamos no tema. Só que
essa é mais uma historinha da carochinha que nos é contada e nos coloca em
perigo. Não apenas o perigo físico, mas o psicológico que nos acompanhará por
toda a vida.
Diz a Lola: "A
maior parte dos estupros é cometida por conhecidos (parentes, amigos,
namorados, maridos) da vítima, e em sua casa. Isso não ensinam pra gente. É muito fácil limpar a barra dos
homens ao pensar que quem estupra é um monstro. Porque não é. É um cara que
pode ser muito simpático em outras oportunidades, mas que aprendeu que “forçar
a barra” não é estupro. Aprendeu que quando a mulher diz “não” ela só está se
fazendo de difícil. Aprendeu que as mulheres adoram ouvir cantadas de teor
sexual na rua. Aprendeu que mulher não gosta muito de sexo, então, se ele não
insistir, não vai rolar”.
Se você é homem pode
ser que não entenda esse post de início, mas te peço de coração que leia até o
final! Talvez você ache que jamais estuprou ou abusou de alguma mulher pois
“depois de forçar um pouco a barra ela gostou” ou “ela acabou cedendo” ou coisa
parecida que você ou seus amigos se reforcem para justificar suas ações.
Se você é mulher,
talvez você nunca tenha assumido que isso aconteceu com você! Talvez tenha
colocado na sua cabeça que de alguma forma insinuou que queria ou que de fato
queria mas depois não quis mais e que não seria legal pedir para ele parar
mesmo que estivesse odiando aquilo. Sabe como são os homens né? Depois que o sangue desce para a cabeça de baixo... não é culpa deles tadinhos! #sqn Talvez pense que a partir do momento em que
pegou carona acabou consentindo mesmo que por dentro estivesse chorando e tenha
chego em casa e ido correndo tomar banho. Talvez pense que ninguém mandou beber
demais. Provavelmente você não contou para a sua amiga o que aconteceu pois
ficou com vergonha de ser julgada, pois não sabia se ela ia entender que você
não queria mas fez mesmo assim porque não sabia como se desvencilhar. Talvez
ela seja daquelas que diga “também quem mandou já ir logo beijando o cara na
balada! Tem que ser como eu que sou difícil!” Talvez ele não tenha te penetrado
a força, mas tenha colocado mãos e pau onde você definitivamente não queria. Talvez não tenha saído uma gota de sangue, mas por incrível que pareça você se lembra EXATAMENTE desse dia, dessa balada, daquele cara, do que estava vestindo mesmo que isso tenha acontecido 15 anos atrás em uma balada aleatória ! Por que será?
Ao navegar e
conversar sobre o tema, uma parcela importante da população (não apenas
masculina) parece acreditar que fazer doce faz parte do joguinho além de ter
uma visão bastante flexível e distorcida do que venha a ser consentimento.
Pois bem, lendo
vários textos sobre o assunto e esse último da Lola em especial, além de
matérias e artigos sobre os horrores que ocorrem nas Universidades, bem como
minhas próprias rodas e conversas entre amigas cheguei à conclusão de que o
homem médio que abusa sexualmente de uma mulher nos casos descritos acima
realmente acha que aquilo é NORMAL e que faz parte de algum tipo de jogo do
acasalamento que lhe ensinaram!
Ele assistiu por anos a filmes em que alguém
vai entregar a pizza e, simplesmente porque a mulher se agachou para pegar uma
moeda, sem mais nem menos, o
entregador de pizza saradão está enrabando a cliente que, a julgar pelos
grunhidos, está achando aquilo sensacional! Isso é o que eles têm na cabeça
desde pequenos! Que mulher gosta de homem macho que tem pegada. E ter pegada
pode sim, na cabeça deles, significar dar aquele beijo roubado e uma “forçadinha”
para ela ceder.
Ele não sabe e nem
quer saber o como aquilo nos afeta para sempre! O como isso mina a autoestima
de uma mulher. O como reforça estereótipos que nos oprimem e deprimem. Como é
nojento, como é péssimo sentir o toque de alguém no nosso corpo quando não estamos
com vontade e sim com medo. Medo de ser julgada, medo de ser xingada, medo de
ouvir que estávamos pedindo e sim, também o medo da violência física! Claro que
ele não sabe! Nem entre nós falamos sobre isso! Como esperar que eles saibam?
Pais e mães precisam
estar envolvidos nesta conversa com seus filhos. Precisamos explicar aos nossos
garotos como agir se eles estiverem numa festa e virem uma menina desmaiada.
Precisamos dizer a eles de modo definitivo que, se houver hesitação por parte
da garota, seja quando estiverem se beijando ou indo além disso, eles devem
parar imediatamente. Precisamos nos certificar de que nossos filhos têm plena
consciência de que pressionar uma menina para que algo aconteça nunca é ok,
seja através de força física ou coerção verbal. Nós precisamos ser enfáticxs
sobre isso. E isso precisa acontecer muito antes de nossos filhos começarem a
pensar sobre sexo.
Estou com a Lola de novo! É
preciso urgentemente explicar aos homens “não monstros” o que É e o que NÃO É
consentimento!
Para os mais
grandinhos em muitas situações basta se colocar nos nossos sapatos por alguns
minutos. Como você se sentiria se alguém, mulher ou homem, te tocasse em
lugares íntimos sem que você quisesse? Ficaria puto? Empurraria? Xingaria? E se
essa pessoa fosse do porte do Vanderlei Silva? E se você soubesse que quanto
mais você reagisse mais risco correria de ser estigmatizado e exposto para o
açoitamento e julgamento moral da sociedade? Não é um exercício tão difícil...
Lembro bem uma vez em uma roda de bar em um happy hour da firrrrrrma alguém em um clássico momento “não sou homofóbico mas...”, disse que não tinha nenhum problema com gays desde que o respeitassem e não “chegassem nele”. Na hora eu respondi: “ué, mas vocês homens fazem isso o tempo todo com a gente!” “mas é diferente porque vocês gostam de homem”. “Quem disse? Eu posso ser lésbica... e mais, mesmo que eu seja heterossexual não quer dizer que eu goste de VOCÊ”! A analogia não é perfeita, mas a lógica aqui é a de como os homens heterossexuais principalmente (mas não todos e não somente) acham normal chegar, pegar no braço, encostar na cintura ou no cabelo de perfeitas desconhecidas, mas no minuto em que são colocados na situação reversa (usando como exemplo uma cantada de um homossexual) acham o fim do mundo! Imagine então numa situação de intimidade?!!!
Sim, a garota pode
querer dar uns beijos em você mas talvez ela não esteja afim de você enfiar a
mão na calcinha dela ou esfregar o pau na cara dela! E nisso parece que as
virgens levam vantagem. É como se: não é mais virgem tem que ir até o final
desde o momento em que deu o primeiro beijo! E o mais incrível é que MUITA
MULHER acaba acreditando nisso e fazendo coisas que NÃO QUERIA, NÃO DESEJAVA, QUE LHE TRAZEM REPULSA simplesmente por uma coação mental coletiva sobre a qual infelizmente conversamos muito pouco entre nós mulheres!
Meu objetivo aqui
está longe de ser o de desculpar ou justificar os homens que cometem abusos
alegando ignorância da parte deles até porque nessa me socorro do universal
principio da ignorantia legis neminem excusat (em outras palavras:
desconhecimento da lei não é desculpa para ninguém!) mas para alertar sim à
importância da conscientização e da educação desde a mais tenra infância quanto
ao que consentimento.
PRECISAMOS falar sobre isso entre nós mulheres! E antes de mais nada
parece fundamental fugirmos da máxima: “homem de verdade não estupra”,
porque isso nos expõe ainda mais ao perigo! Homem de tudo quanto é tipo estupra
e abusa! Pode ser que seu marido, seu filho, seu pai, seu irmão e seu amigo já
tenham abusado de alguém e nem tenham se dado conta do estrago. Esse é o
TAMANHO da bizarrice do patriarcado! Essa é a bola de ferro que temos amarrada
aos nossos pés! É para isso que precisamos nos empoderar! Precisamos falar e
precisamos defender e acolher mulheres que tem a coragem de expor o que
aconteceu com elas! E mais do que nunca precisamos EDUCAR a nova geração para
entender que não é não e talvez também é não! E não: quem cala NÃO CONSENTE!
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