Relacionar-se
com o outro não é fácil para ninguém. Todo mundo sabe porque todo mundo está
sujeito - até o ermitão que um dia deixou a cidade e foi viver numa ilha. Pais,
filhos, irmãos, amigos, companheiros, colegas de trabalho. Todas essas
figurinhas com quem compartilhamos a nossa existência desejam, assim como a
gente. E porque desejam é natural que as pessoas com quem optamos por estreitar
vínculos passem, cedo ou tarde, a nos dirigir demandas de amor. Relacionar-se
com o outro não é fácil para ninguém, pois, como já dizia Fernando Pessoa:
"O mesmo amor que quer-nos, oprime-nos".
Especialmente no quesito romântico-sexual essas demandas de amor parecem ser
ainda mais delicadas, já que entra em cena, para muitos e muitas, a questão das
expectativas e necessidades que o outro deve supostamente preencher e a questão
exclusividade. Para nós, mulheres, a fantasia do amor romântico, do amor idealizado,
parece ter um peso ainda maior já que, desde cedo, somos incentivadas a investir
nossa energia libidinal em um único objeto, enquanto os homens são incentivados
a buscar uma maior variedade de experiências, também amorosas e sexuais.
O tal príncipe encantado não existe (cada dia descobrimos isso mais cedo), mas
algumas de nós quando desejam uma vida a dois, felizmente conseguem
encontrar parceiros que topem o propósito nos termos do "eu e você, você e
eu". Me refiro a parceiros que não apenas se propõe a formar um casal, mas
que conseguem viver com a companheira do dia-a-dia as suas taras mais malucas,
num vínculo de fidelidade afetiva mas também sexual. Afinal, sabemos: há,
ainda, muitos homens cindidos, os quais presos a um modo de ser-estar do tempo
da carochinha, ainda precisam buscar satisfação sexual fora do relacionamento
que tem com a mãe-dos-seus-filhos. Quem não conhece um carinha muito bem casado
que dá os seus pulinhos que atire a primeira pedra.
Algumas de nós, é verdade, redescobrem maneiras de viver uma relação conjugal
na qual a presença de mais alguém não é capaz de desestabilizar um casal. Mas,
sabemos: Para muitas, uma traição sexual é mesmo imperdoável.
Com relação as que não tem um companheiro, é verdade que muitas de nós desenvolveram
com o passar do tempo e das relações, um estar-arguto que as permite
colocar-nos numa relação na posição da mulher que deseja prazer, riso, momento
- da mulher que deseja sexo e não um reconhecimento de suas qualidades humanas
e pessoais por meio do sexo. Mas há, ainda, aquelas de nós que acreditam
piamente que, sendo "boas de cama" conquistarão um companheiro para
toda a vida, frustrando-se em cirandas amorosas com sujeitos comprometidos e
construindo uma vivência sexual na qual o erotismo quer funcionar como moeda de
troca com o outro, distante de sua nuance mais prazerosa que mais tem a ver com
um desvelamento do próprio corpo e da própria sexualidade. Há homens que
simplesmente não querem conhecer nosso potencial humano e conquistas pessoais, profissionais,
etc. Supor que sexo é uma chavinha para criar uma espécie de dependência que
com o passar do tempo vira interesse é, na maioria das vezes, arriscado. É
verdade que muitas relações partem de transas descompromissadas, mas tesão que
evolui para amor e paixão é obra do acaso e não consequência lógica de um sexo
fantástico.
Em alguns cenários, sem perceber, dirigimos nossa demanda de amor ao outro
esquecendo que, antes de endereçá-la, precisamos ser honestos: Será que o
outro, por mais que eu o queira bem, pode me dar o que eu preciso? É lícito
apostar, só não é lícito fechar os olhos e insistir, sádica e nascisicamente,
para que a outra pessoa corresponda a uma aposta - porque apostas pressupõe
ausência de garantias.
Garantias mesmo, só nós mesmos podemos oferecer pra gente mesmo e olhe lá. O
que eu quero? O que o outro quer de mim? Não são perguntas fáceis, mas se
dermos espaços para nós mesmos e para o outro, sem preconceitos e tantas
expectativas, talvez as respostas surjam naturalmente.
Por que meu companheiro me trai? Por que os caras com quem eu saio não querem
nada comigo além de sexo?
Será que podemos mesmo responder a essas perguntas, como houvessem culpados? Ou
a resposta está com o outro, com as faltas do outro, com as necessidades do
outro, e a nós cabe tão somente uma abertura a ouvi-lo? Quantas e quantas
vezes, após o término de uma relação percebemos de modo claro que certos modos
de funcionamento e certos sinais já haviam sido postos em cena e não demos
atenção a eles, preocupadas em satisfazer as nossas próprias expectativas?
O velho mandamento do "baixe as expectativas" parece ser valioso. Não
porque não devamos esperar nada das pessoas, mas porque somente quando baixamos
as nossas expectativas é que podemos chegar mais perto de entender o que o
outro pode nos oferecer, ao mesmo tempo que compreender o que nós podemos
[deman]dar.
Não digo com isso, é claro, que possamos sempre prever comportamentos ou que
devamos ligar a nossa sirene, mantendo as antenas ligadas o tempo inteiro. Não
se trata de ser inquisitiva, mas curiosa. Trata-se de dar espaço ao outro. O
esforço de tentarmos deixar um pouquinho de lado o nosso desejo para tentar
compreender o do outro é sem dúvida algo que pode minorar frustrações e
rompimentos dramáticos.
Falemos sobre o que nos inquieta - e aquieta. Enquanto tentarmos nos enganar
sob a expectativa de que todo homem que nos interessa e nos deseja quer fazer
conosco o investimento de uma relação de parceria franca (se for essa parceria
o que desejamos), o maior revés [ou tempestade] na vida de muitas solteiras
parece que continuará a ser o velho descobrir-se "a outra" ou apenas
"uma das" - amor de porto, sem cais, nada além[mar]. Enquanto for
assim, das maiores tempestades na vida das namoradas e esposas será descobrir-se traída. Estaremos
sujeitas a sofrer por razões parecidas, ainda que a partir de posições
diferentes no mapa [das relações]. O barco é um só. Abandonar o navio, encarar
a tripulação, navegar sem bússola? Para as namoradas e esposas ao menos fica a
impressão de ser aquela de quem o comandante [?] não quer prescindir-de, aquela
que ele escolheria salvar primeiro em caso de naufrágio, aquela com quem
dividir o bote. Resta seguir viagem ou recolher as âncoras, desembarcar. Para
as solteiras em alto mar, passado o choque de ver-se à deriva, fica a impressão
de ter navegado numa canoa furada apenas extraoficialmente - história de
marinheiro só. E melhor: tendo aprendido a nadar e a salvar-se sozinha, sem
medo de morrer na praia.
Que possamos cada vez mais trazer para nós
mesmas o protagonismo de nossas relações afetivas e sexuais. Porque sermos
protagonistas é dar espaço para que o outro fale de si e não apenas o que
queremos ouvir - e quem fala de si também protagoniza ao invés de encenar. Com mais
diálogo e reflexão, com menos receios. Conversa franca e cartas na mesa são
conquistas que levam tempo. Enquanto trabalhamos nelas, que possamos nos dispor
a escutar o que fica dito não apenas verbalmente. Que não façamos sexo como
meio de atirar no que vimos desejando acertar no que não vimos - alguns dos
homens a quem chamamos de cafajestes podem apenas ser homens cuja dinâmica e
desejo não nos dispusemos a compreender ou a aceitar antes de investirmos.
Quando depositamos em alguém a obrigação de reconhecer o nosso valor, talvez
ele nunca seja reconhecido de fato. Quando alguém deposita na gente valores que
não são os nossos, perdemos a chance de mostrar os que verdadeiramente temos.
Que o outro e a gente deixem de ser um mar de
tormentas para se tornar um mar de descobertas - já que não há porto
seguro. E, homens ou mulheres, no fim das contas o sol nasce para todos, o
horizonte é sempre amplo e a vida um oceano de possibilidades.
Andressa Barichello, paulistana de nascença, curitibana pelo acaso.
Escreve crônicas, contos e poemas. Escreve pra tentar fazer sentido, para si e para os outros.
É co-idealizadora do projeto Fotoverbe-se! e.... e.... e...
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