É preciso experimentar e testar o próprio gosto
(e corpo) para ousar descobrir-se.
Encontrei
em São Paulo, por acaso, uma loja de roupas femininas que tem um funcionamento
um pouco diferente. A loja não tem provador, embora seja possível experimentar
as peças que custam, todas o preco único de R$30. O que se vê na segunda sala
da casa - bem longe dos olhos da rua - são várias mulheres (das mais variadas
idades e com os mais diferentes tipos de corpos) experimentando os achados
enquanto disputam um espaço em frente ao espelho. Nenhuma peça de roupa é igual
a outra e a maioria delas está disposta segundo o velho esquema do cestão.
Ao
encontrar três itens do meu interesse, de início fiquei meio sem jeito para
prová-los: esperava que o ambiente ficasse vazio e
tentava lembrar qual era mesmo a calcinha e sutiã que estava usando. Contudo,
não demorei para perceber que não haveria chance para privacidade e, afinal,
todas ali estavam na mesma situação: quem imaginava ser vista em trajes íntimos
ou numa espécie de topless em pleno início de tarde de quinta-feira? Ninguém de
renda preta: calçolas tendência, fique tranquila!
Tive, portanto, a oportunidade de me descobrir
- digo, de tirar a minha roupa e, ao mesmo tempo, me perceber como alvo de
olhares. Libertador!
De repente, um cantinho no urbano onde revelar
a intimidade parecia passar livre de julgamentos e padrões. Cada corpo e cada
mulher com suas marcas. Músculos, estrias, celulites, pelos, cicatrizes,
espinhas, silicones, flacidez, tonificação, tatuagens, piercings...
.
A loja não tem vendedoras - é gerenciada tão
somente pela proprietária sorridente que fica no caixa. A presença de qualquer
vendedora, a propósito, parece desnecessária naquele lugar. Isso porque não há
dúvidas quanto aos preços e, em razão da própria ausência de provadores e da
quantidade limitada de peças e numerações, o exercício a ser feito pelas
clientes é quase que a brincadeira coletiva de encontrar os pares: qual roupa
para qual corpo. Talvez para minimizar o constrangedor silêncio descoberto pela
ausência de cortinas, todas acabam por palpitar sobre o caimento dos vestidos,
calças e blusas escolhidos pelas mulheres ao seu redor. Ouvi frases como:
- Achei esse aqui tão lindo, pena que não serviu em
mim. Não quer experimentar? Acho que ficaria lindo em você!
- Olha aqui, essa calça não está dividindo a minha
bunda ao meio? - Um pouco, mas a bunda ficou bonita, isso que importa.
- Você tem peitão, achei que essa alcinha mixa não
sustentou o seu potencial.
- Não leva essa aí não que te deixou apagadinha,
gostei mais da outra.
- Essa eu já experimentei, parece um pijama. Mas é
questão de estilo né...
- Eu gosto de roupa justa. Meu número seria o
44 mas eu sempre levo a 42. Minha irmã é ao contrário, ela prefere sempre um a
mais...
- Prova essa, prova. Eu e minha cunhada levamos na
semana passada. Olhando assim você não dá nada mas no corpo é uma maravilha.
- Com esse frio que está fazendo quem é que tem
coragem de depilar as pernas né?
De um certo modo, foi possível que
realizássemos ali, despretensiosamente, importantes exercícios: Exercitar o
olhar para o próprio corpo e percebê-lo em meio à diversidade de outros corpos.
Elogiar gratuitamente. Valorizar características nossas e de outrem. Criticar
com bom humor. E sutileza. Ajudar a procurar e a encontrar. Entender que o o
que é bacana para nós pode não ser para o outro. De repente, umas admiraram
outras e, mais do que diferenças, encontravam grandes semelhanças, nem que
fosse apenas o gosto pelo mesmo casaquinho. A peça de roupa, a propósito, era
escolhida antes de ser descoberta P, M ou G - nenhum condicionamento, nenhuma
urgência em olhar uma fileira de etiquetas.
Considerei o saldo do lugar bastante positivo,
para além da boa estratégia da proprietária e das três peças que levei.
Primeiro porque R$ 30 é sempre um preço ótimo para uma roupa de boa qualidade.
Segundo porque foi uma rara oportunidade para não ter vergonha do próprio corpo
e lembrar que a nudez não precisa ser um descalabro. E terceiro e mais
importante: Sinceridade é tudo na vida, por isso, não vou inventar que essa
calça lindíssima ficou ruim em você só porque vestimos o mesmo número e estou
na torcida para que você não a leve para casa.
Andressa Barichello, paulistana de nascença, curitibana pelo acaso.
Escreve crônicas, contos e poemas. Escreve pra tentar fazer sentido, para si e para os outros.
É co-idealizadora do projeto Fotoverbe-se! e.... e.... e...
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