segunda-feira, 9 de março de 2015

Sim, estou muito feliz!



Com o fim do Dia Internacional da Mulher vão-se as “homenagens” à nossa força e determinação por fazer tudo que um homem faz e ainda de salto, depiladas, maquiadas e malhadas (se você, como eu não usa salta, nem maquiagem muito menos malha e volta e meia falta à depilação por falta de tempo, essas homenagens não era para você, ok?) dando espaço às campanhas de Páscoa que por sua vez serão seguidas de emocionantes agradecimentos às mães, depois aos namorados, pais, crianças para finalmente culminar com Cristo e seu suposto nascimento capricorniano.

Foi-se o 8 de Março de comemorações, ficam os problemas de todos os dias: a violência, o assédio, o isolamento no ambiente de trabalho, o controle sobre os nossos corpos, nossas roupas e nosso palavreado! Ficam as milhares de mulheres vítimas de estupro diariamente e as que suportam violência doméstica caladas há anos! Principalmente, fica o machismo encrostado como ferrugem velha em todos os âmbitos da sociedade nos lembrando diariamente do porquê estamos lutando – ainda que vez ou outra bata um certo desânimo!

Dessa vez a galera nem esperou muito para voltar ao seu “normal”. No próprio dia 8 já estava xingando a Presidente Dilma de vaca para baixo (como se isso tivesse algo a ver com a sua performance política) do alto de seus apartamentos no Jardins e em Higienópolis, ato de extrema deselegância e altamente machista! 
Hoje então, ainda na ressaca pós 8 de março em que pude apreciar textos lindos e bem escritos na minha timeline de inúmeras mulheres com as quais tenho a honra de me relacionar (pessoal ou virtualmente), me deparo com uma moça alegando que nos tornamos mulheres infelizes ao lutarmos pela igualdade já que “assim sufocamos a carência de cavalheirismo e necessidade de segurança que há em nossa essência”. 
A autora conclui, através de vários argumentos conservadores cristãos que a mulher feliz “foi educada em valores e virtudes, soube honrar sua dignidade, estudar com esmero, mas também escolher um verdadeiro cavalheiro para casar-se. Hoje ela é casada, tem muitos filhos, trabalha dentro do possível para ajudar no orçamento e é muito, mas muito feliz”.
Bem, se você está no time das infelizes assim como eu seja bem-vinda! 


Afinal de contas, não dá para ser feliz quando, apesar de anos e anos de luta, ainda ganhamos menos, mesmo sendo mais qualificadas. Não temos como ser felizes em uma sociedade onde o estupro é banalizado e qualquer tipo de violência contra uma mulher é intrinsecamente considerada culpa dela e não do agressor.

Não quero soar repetitiva pois tenho batido reiteradamente nas razões pelas quais o feminismo é essencial na nossa sociedade e você pode ler sobre isso aqui, aqui, aqui e aqui e aqui também se quiser saber mais, mas não posso deixar de me entristecer ao constatar que o maior estrago do patriarcado é convencer os oprimidos a saírem por aí reproduzindo seus argumentos. Sim, essa moça apenas reproduz discursos do patriarcado e se sente feliz como boa cristã ignorando por completo as consequências para a maioria de mulheres que sofrem e morrem por conta do mesmo sistema que ela defende nas entrelinhas embora diga o contrário.

Ela ignora completamente a realidade das mulheres que são obrigadas a vestirem-se como seus maridos querem, a fazerem sexo quando não querem, a criarem filhos e ficarem em casa quando sonhavam com uma carreira, a tornarem-se advogadas quando queriam ser engenheiras, ou ainda as que sequer podem considerar seu trabalho como carreira pois não passa de escravidão.

Ela desconsidera que o sistema que recomenda que uma mulher deve “dar-se ao respeito” e “comportar-se como uma dama” é o mesmo que legitima o estupro com essas palavras.

Ela diz achar errado querermos igualdade pelo fato de sermos biologicamente diferentes. Que Deus fez a mulher para ser a companheira do homem e não igual ao homem...que ser diferente não quer dizer ser inferior mas “complementar”.

Bem, eu não sou cristã, embora seja grande admiradora de Jesus Cristo e tenha estudado muito a Bíblia e compreendo que seja muito difícil conciliar um cristianismo tradicional e conservador com o feminismo já que qualquer religião cristã será em sua essência machista a partir do momento em que inicia toda a narrativa que explica a origem da espécie humana colocando a culpa de TODOS os problemas da humanidade em uma mulher (qualquer semelhança com a atualidade é mera coincidência! #sqn). Além disso, o mito de Adão e Eva parte do pressuposto de que a mulher só foi criada para satisfazer a um homem. E não adianta vir com esse papinho de que a “mulher veio da costela, ao lado do coração, e não aos pészzzzzzzzzzzzzz”) Em Gênesis 2:18-24 fica claríssimo que a mulher foi criada PARA o homem: "Disse mais o SENHOR Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea. (...) E da costela que o SENHOR Deus tomou do homem, formou uma mulher, e trouxe-a a Adão". 

Respeito a fé de cada um e entendo o porquê um cristão e uma cristã (assim como judeu, muçulmano e grande parte das religiões “modernas” que são baseadas em um modelo androcentrico) possam partir desta premissa, ainda que conheça muitos cristãos e cristãs que consegue desapegar da “letra” e absorver o espirito lindo da mensagem de seu mestre (que de machista tinha muito pouco!)

Então, VOCÊ pode achar correto que uma mulher tenha que ser submissa, que use véu ou que não olhe diretamente nos olhos de seu “dono” (também conhecido como pai ou marido). Ou pode ter uma visão mais sutil e achar um absurdo mulheres muçulmanas de burca ao mesmo tempo que não se importa de abrir mão da sua liberdade de escolha de uma roupa ou de um batom ou se vai transar com 1, 2, 10 ou 20 caras (ou mulheres) ao longo da sua vida, mas não se engane moça: a fonte de todos esses males é a mesma! É a mesma que abusa, que mata, que mutila, que silencia, que interrompe a nossa fala constantemente. Que nos chama de mal comidas ou de putas, sensíveis ou “hormonais”.

Você pode achar que eu sou infeliz moça, mas eu, ao contrário de você não tenho uma necessidade intrínseca de segurança e nem preciso de elogios masculinos para me sentir uma mulher feliz. Eu não trabalho para complementar o orçamento e não desejo apenas ter muitos filhos!

Eu desejo mudar o mundo! Eu desejo conquistar tudo o que eu sonhar! Eu desejo poder ser quem eu sou, do jeitinho que o Universo me fez usando todo o meu potencial para auxiliar outras mulheres a encontrarem o seu.

Quando leio textos como o seu, moça, me dá uma certa raiva. Me dói e meu primeiro instinto é ficar irritada! Me dá raiva porque penso justamente nas mulheres que apanham do marido pastor e que certamente acham que a culpa daquilo é delas por “não terem se comportado como Deus queria”. Penso nas meninas abusadas que sofrem como se culpadas fossem, por terem usado esta ou aquela roupa, por terem sido “sensuais demais” sem levar em consideração os instintos do homem. Penso em quanto este seu texto é um tapa na cara de todas as mulheres que trabalham porque amam e estão cansadas de ouvirem que estão indo contra a natureza ao terem auxilio de terceiros para criar seus filhos. Me dói particularmente porque dentro da sua lógica torpe, eu que não estou conseguindo ter nem unzinho - quiçá muitos filhos - estaria fadada à infelicidade. Me irrita mais ainda quando penso no tanto de compartilhamentos que esse seu texto teve e no quanto ouço por aí que eu é que sou uma “femichata”. Inclusive muitos leitores podem estar pensando neste momento que esse texto não passa de mais um mimimi feminista e pensando que deve ser falta de homem ou de louça para lavar.

Sim, isso tudo irrita, dói e machuca especialmente quando vejo amigos e amigas lhe compartilhando sem terem jamais se dado ao trabalho de lerem ou refletirem sobre o que estou tentando dizer. Mas depois a raiva passa, o desanimo se transforma em palavras e lembro de quantas mulheres estão ao meu lado me inspirando. Quantas diariamente trocam comigo textos, músicas, dicas de livros ou apenas pensamentos que me motivam e me envolvem cada vez mais em direção ao que é justo, ao que igualitário e ao que é humano. 

Então, moça, eu sei que você está muito feliz e acha que eu estou infeliz mas pode ficar tranquila que eu e tantas outras continuaremos lutando por um mundo onde ninguém complemente ninguém e onde sejamos todos inteiros! Um mundo no qual ser humano nenhum seja discriminado ou julgado pela forma como é mas apenas por suas ações!

Continuaremos lutando, continuaremos escrevendo, continuaremos falando apesar de e por você!

"Tornei-me feminista como uma alternativa a ter que me tornar uma masoquista" - Sally Kempton



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