Após o comentário do digníssimo presidente
da câmara dos deputados sobre sua posição em relação ao aborto, estávamos
comentando em uma roda o tema mais uma vez. Como defensora que sou da
legalização do aborto fui questionada por uma colega sobre “como eu poderia ser
a favor de matar uma criança quando eu estava lutando tanto para conseguir a
minha desejada gravidez”.
Para mim, as razões para ser a
favor da legalização do aborto são óbvias e confesso que tive até uma certa
dificuldade de entender o que o cú tinha a ver com as calças, mas aí me dei
conta de que o que faz com que tanta gente fale tanta bobagem a respeito do
tema é justamente o não saber separar conceitos que vejo como básicos.
O ponto de partida mais básico
aqui é: ser a favor da legalização (ou da descriminalização para quem não quer
chegar a tanto) NÃO SIGNIFICA ser a favor DO ABORTO! Significa não achar que
mulheres que passam por uma gravidez indesejada não tenham o direito de terminar essa
gravidez de forma segura e sem colocar suas vidas em risco ou irem para a cadeia por isso!
É insano achar que o aborto vai
virar anticoncepcional. Quando alguém me diz: “se o aborto for legalizado
ninguém mais vai usar camisinha pois vai poder abortar” não pode ser mulher!
Não é possível que alguém ache que abortar é igual tirar um cravo ou depilar a
virilha!
É estatístico, é matemático:
assim como a guerra contra as drogas não impede o uso das mesmas, a
criminalização do aborto pune apenas e exclusivamente mulheres já em situação
de risco e que, por sua condição já fragilizada em uma sociedade
discriminatória em que lhes são negados os direitos mais básicos, sofrerá a consequência
de mais essa pauta política desconfortável. Mulheres ricas e de classe média também
abortam! Elas só não morrem ou ficam inférteis por isso (ao menos não na
maioria das vezes)! Ainda assim, elas sofrem em silencio, muitas vezes sem apoio
psicológico e passam a vida se sentindo criminosas pois não podem desabafar com
praticamente ninguém. De fato isso não é um privilégio de classes.
“Ahhh mas e a vida da criança?”
dirão alguns... não vou nem entrar no mérito do conceito jurídico do que é “vida”,
mas a conta é simples: 200 mil brasileiras morrem por ano em abortos clandestinos (junto com seus respectivos fetos), não seria justo nos preocuparmos com essas
vidas também? E qual então a lógica do aborto legal (caso de risco de morte
para a mãe e de estupro)? Não são “vidas” esses também? Se posso preterir a
vida do feto caso ele cause risco de morte à mãe, não seria argumento
suficiente para descriminalizar todos os abortos já que de fato é de um risco
de morte que estamos falando?
Sou a favor de melhorar as
alternativas (incluindo adoção) para que a mulher mantenha a gravidez, ainda
que indesejada, mas qual a lógica de defendermos tantas “vidas” que sequer
podem viver fora do útero em detrimento de tantas mulheres?
Sinceramente, o único argumento
que me “convence” contra o aborto é o religioso pois contra dogmas não há
argumentos, porém todavia entretanto, estamos em um estado laico and I could
not care less para qual o conceito de vida da Biblia, do Alcorão e de quem quer
que seja!
Esse papinho de que as pessoas
têm que arcar com as consequências de seus atos (tomando pílula e usando
anticoncepcional) e que o aborto não é um problema de saúde pública pois a
pessoa que “procurou” além de ser totalmente desconectado da realidade é de um
sexismo sem tamanho. Duas pessoas fizeram sexo! Duas pessoas deveriam ter se
prevenido! As duas “engravidaram” mas somente uma pode abortar: O HOMEM!
O tom desse post é de irritação,
é de revolta, é de choro de raiva ao pensar em como somos escravas desse
sistema que nos nega o direito básico à nossa reprodução e aos nossos corpos
enquanto endossa a irresponsabilidade masculina livre de maiores consequências.
Sim, eu quero muito um filho, mas
porque eu tenho condições psicológicas, emocionais e financeiras.
Mas mais do
que tudo, o que eu mais gostaria, é que meu filho e principalmente minha filha
viessem para um mundo onde a mulher não fosse detentora de menos direitos. Onde
a mulher fosse dona de seu corpo, de seu útero e de sua vida e onde as pessoas
não fossem covardes de olharem apenas para o próprio umbigo como está fazendo o
senhor Eduardo Cunha!
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