terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Sobre o sofrimento...




Eu tendo a ser uma pessoa otimista. Tendo a ser tão otimista que às vezes me sinto como se me tivesse sido tolhido o direito de ser pessimista ou de ficar triste com coisas ditas banais. O que mais costumo ouvir quando estou pessimista com algo é: “nossa você já passou por tanta coisa! Não vai deixar ISTO (com ar de desdém para o problema atual) te desmotivar não é mesmo??!!” (pausa para tapinha no ombro e o olhar de condescendência)

Sim, é verdade! Eu já passei por muita coisa foda! Além do mais eu tenho plena ciência e consciência da quantidade de problemas muito mais fodas tanto dos que eu mesma já passei quanto daqueles “banais” que estou vivendo hoje. Obviamente eu reconheço que a fome no mundo, a violência física contra mulheres e crianças, as guerras e os atos terroristas que acometem o nosso planeta, são muito mais graves do que o meu frustrado desejo de engravidar ou do que a minha incessante busca pela realização profissional e pessoal que muitas vezes me deprime.

Ocorre, porém, entretanto, todavia, que a gravidade dos problemas alheios (ou próprios mas superados, como parece ser o meu caso) não diminuem a intensidade dos problemas presentes de maneira alguma, ao menos não na pele. Comentários desse tipo (ainda que venham com o objetivo de encorajamento) nos fazem sentir ainda mais culpados por estarmos sentindo o que estamos sentindo por algo que supostamente não deveria nos incomodar. 

Me peguei outro dia então pensando e concluindo para depois rapidamente “des-concluir”: será que ter tido sofrimentos atípicos para a minha tenra idade (leia-se infância e adolescência) me tirou o direito de sofrer por banalidades ou coisas efêmeras da humanidade pelas quais tantas pessoas sofrem? E ainda: como medir a coerência do sentimento dor? Em outras palavras: o que determina o que é passível ou merecedor de sofrimento? Seria obsceno sofrer por uma unha quebrada logo na saída da manicure enquanto crianças pedem esmola logo ali no semáforo seguinte? Claro que sim! Mas e pelo coração partido por aquele carinha com o qual você só saiu 3 vezes? E pela promoção que não veio e pela qual você trabalhou noites a fio? E pelo pneu do carro que furou logo naquele dia de 40 graus em que você resolveu usar um salto 15 agulha? 

Em um primeiro momento me parece que sim: seria obsceno e certamente despropositado! Indo mais a fundo, porém, nas raízes do sofrimento que, na maioria das vezes é a frustração, a falta de algo, a ausência e a perda de coisas que muitas vezes jamais tivemos, concluo que o sofrimento emocional, assim como a dor física, são pessoais e intransferíveis e, para dificultar ainda mais, quase impossíveis de se descrever.

Eu mesma sempre me embanano para descrever minhas dores. Será aguda ou uma pontada? Queima ou arde? É no estômago ou no figado (como se eu tivesse ido a alguma aula de anatomia!). E a intensidade? De zero a 10 qual a intensidade? Sei lá... como vou saber se é 10 se eu ainda não cheguei no 10? É insuportável? Bem, se estou aqui viva é porque é suportável. Defina insuportável... 

O mesmo vale para o sofrimento psíquico e emocional. Eu acho! 

Além do mais, a nossa sociedade valoriza o sofrimento pela falta física: fome (falta de comida), dor física (falta de proteção), doença (falta de saúde). Por isso escuta-se muitas vezes alguém ser repreendido por “reclamar de barriga cheia” caso ouse cair de depressão ou reclamar de algo em sua vida “tendo tudo do bom e do melhor”. Ainda que tenha um casamento de fachada, um companheiro frio, pais que nunca lhe deram afeto ou amizades superficiais, sua vida TEM QUE ser boa, pois não lhe faltam bens materiais.

Me deparo frequentemente com esse tipo de comentário quando, por exemplo, alguma celebridade vem a público falar de sua depressão ou infelicidade: “falta do que fazer” “deviam dar uns problemas de verdade para ela(e) ver o que é bom...” e assim por diante... Outros despencam para a inveja mascarada de autoafirmação: “tá vendo! Não adianta ter dinheiro e ter a cabeça fraca!”.

Que loucura é essa!? Quando foi que perdemos o direito ao sofrimento? Quando foi que nos tornamos escravos da felicidade e do sorriso obrigatório? (a não ser é claro que estejamos morrendo de fome...)

Sempre lembro de uma frase sensacional que ouvi de alguém aleatório cujo nome sequer consigo lembrar: “o seu problema só não é maior do que o meu porque é seu!”   

Julgar o sofrimento alheio é algo tão equivocado quanto injusto pois a dor não tem medida e muito menos escala!

A dor do outro é dele e a nossa é nossa mas com um pouco mais de empatia e tato podemos aliviá-la através da compreensão! Um ombro amigo não julga! Um abraço que acalenta não tenta diminuir a sua dor, apenas a abraça para aliviar o fardo e o peso e quem sabe enxugar a lágrima.

A frustração é inevitável e a melhor forma de diminuir a intensidade dos nossos problemas poderia ser a de reduzir a expectativa que gera a frustração. Viver o presente, meditar, alimentar-se espiritual e emocionalmente me parece um bom caminho, mas nada nos privará integralmente do sofrimento existencial intrínseco à condição humana.

Essa reflexão não tem o intuito de encontrar uma resposta ao dilema existencial do sofrimento, mas apenas de ponderar (mais uma vez e já pedindo desculpas pela insistência) sobre a empatia. Sobre o silêncio providencial que acolhe. Nem sempre precisamos dizer alguma coisa ao nosso amigo/amiga que está passando por um problema. Nem sempre temos que dar um conselho. Muitas vezes tudo que a pessoa precisa é de um abraço. De um carinho. De um: “eu estou aqui para o que você precisar”. Ou ainda melhor, de um: “há algo que eu possa fazer para te ajudar?”.

E se houver, que ajude, mas se não, que apenas acalente e acolha pois o sofrimento dele, só não é maior do que o seu porque não é seu! Pense nisso! 

Afinal de contas, "cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração". 


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