segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Sobre tragédias que acontecem com pessoas bonitas...



No almoço de família alguém relata um trágico acidente que deixou uma conhecida de alguém tetraplégica. Quase todos na mesa soltam um murmúrio misto entre tristeza e pena ao ouvirem as dificuldades que a protagonista da estória passa em seu dia a dia. Então, alguém solta: “uma pena uma coisa dessas com uma moça tão bonita!”

Quem nunca escutou ou disse algo do gênero que atire a primeira pedra (não em mim por favor!).  Eu mesma me lembro de um acontecimento que me chocou profundamente que foi o rapto e assassinato pelo próprio pai de duas meninas gêmeas, filhas de uma colega de trabalho, uma mulher que eu admiro e respeito muito. O caso teve uma enorme repercussão inclusive na mídia e eu me lembro de passar vários minutos olhando para as fotos daquelas duas meninas que pareciam anjinhos de Raffaelo e pensar: “meu Deus, como são lindas! Como pôde acontecer algo tão trágico a dois anjinhos desses!”

Mas nesse dia do almoço, a hora que a frase foi dita, algo em mim se questionou imediatamente quanto à nossa mania automática de valorizar mais a vida de quem é bonito. Parece que a sociedade diz: “se você é feio e sofre um acidente, não perdeu muito afinal de contas sua vida já devia ser uma desgraceira”. Parece chocante, mas no fundo a mensagem é essa. A vida do bonito vale mais que a do feioso que já vive na mediocridade mesmo.

Alguém ao ler este post poderá protestar: “ai que exagero! É apenas uma maneira de falar!” mas apenas os incautos e desatentos não sabem que, as expressões idiomáticas mais comuns são justamente as que perpetuam as tradições, em especial as misóginas, racistas e preconceituosas latu sensu. Elas expressam o que há de mais puro (no sentido bruto) e inconsciente na nossa sociedade e em nós mesmos e é exatamente por isso que são tão sinceras quanto merecedoras de reflexão!

No fundo, se olharmos para o monstro no espelho essa frase sem má intenção, esse automatismo de valorizar mais a vida do bonito explica como conseguimos ir dormir e acordar todos os dias para realizar nossas atividades mais banais enquanto horrores acontecem pelo mundo todo. Porque no nosso padrão o rico é belo e vice-versa. É limpo, é asseado, é magro e esbelto – e possivelmente branco. O resto é feio... e consequentemente desmerecedor da nossa compaixão e do nosso olhar humano. Crianças na África? Mulheres no sertão nordestino, na Somália ou na Síria merecem menos compaixão do que Lais Souza ou Fernando ex-BBB (e atenção, não estou dizendo que os bonitos também não a mereçam!).

E não é de hoje que o bonito é associado também ao bom. Alguém aí já viu mocinha de novela feia, gorda ou deformada? Amputada? Com deformação facial? E vilão?

Pode ser que eu esteja sendo muito dramática e exagerada. Pode ser que seja o efeito dos hormônios que normalmente são culpados por qualquer destempero emocional feminino, mas pode ser também que tenhamos que ter um pouco mais de atenção às nossas palavras e aos nossos pensamentos e, principalmente olhar com mais cuidado o feio, o asqueroso, o que incomoda o olhar... pois é justamente ali que está o maior sofrimento e que jaz a maior necessidade de amor e de carinho!


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