Ela era
frágil. Não como um bibelô, mas como tudo que é efêmero. Era ela delicada, a
despeito do chão batido que a cercava. A sua história inaugural era a do feto
que, ninguém entendia como, tinha vingado naquele útero que não sabia gestar.
Era o que diziam e deixa para lá a violência em que essa afirmativa
possa implicar.
Mulher,
talvez hoje ela acredite que aquele útero não podia gestar. Não é que não
soubesse, apenas não podia. Nascer, ainda que prematura, foi a sua primeira
transgressão. E a dona do útero que não sabia ou não podia gestar, jamais
saberemos, gozou. Porque de repente viu que sabia e podia; transgredir era o
desejo de ambas.
Mas quem
nasce assim, de um lugar tão interdito e de um querer alheio que foi e que vai
além sexo, carrega umbilicalmente um certo peso existencial. Constrange-se,
talvez, diante de todos os filhos que desceram antes da hora. Apavora-se por
ter-se criado num espaço de perda e de ausência. Será, então, que devia mesmo
ter nascido?
A sensação
longínqua do não-estar foi transformando-se ao longo da vida em mal-estar.
Flertava com a quase morte desde a barriga. Álcool, picadas, cigarro e pó. Tudo
para se certificar agora de que era forte o corpo que disseram vir ao mundo com
menos de um quilo. Tinha medo de ser, porque era, a criança que ao nascer não
podia, ainda, abrir os olhos.
Felizmente, o
corpo sempre se mostrava igual ao dos outros, aqueles paridos pontualmente.
Parecia até mais forte, por vezes, o que a tornava diariamente uma mulher
contra qualquer estatística. Seriam todos os corpos iguais? Era preciso marcar
alguma qualquer diferença. Seguiu, portanto, nos testes da angústia. Uma vida
que transcorresse em gestação regular não a interessava. Por isso escrevia.
Poucas vezes chorava. Não tinha medo de saltar de para quedas. Reagiu a três
assaltos. Era esquiva ao toque. Prematura, era sempre.
Adulta, não
se rendia nem mesmo aos afagos da mãe - por mera birra, talvez, recusasse agora
os afetos recusados pela incubadora; pura injustiça. Pra que tanta gana em vir
ao mundo... Então era só isso? Perdeu o emprego, investiu num curta sem sucesso
e fumou o que restou da poupança deixada pelo pai sem que ninguém a detivesse;
detê-la mesmo, só o útero ou a morte. Vence o útero. E apesar de ser cabeça
dura, de moleira bem fechada, seguia com os batimentos cardíacos devidamente
monitorados - não por aquela enfermeira da maternidade, mas pela imposição ao
controle de frequência que aquela lhe estampou na memória da pele: Todas
as vezes em que o peito disparou, não teve jeito, doeu. Sabia que qualquer
disritmia poderia ser sinônimo de agulhadas; desde bebê é que tentam
padronizá-la, logo ela, que veio para romper com o padrão abortivo! Não!
Andressa Barichello, paulistana de nascença, curitibana pelo acaso. Escreve crônicas, contos e poemas. Escreve pra tentar fazer sentido, para si e para os outros. É co-idealizadora do projeto Fotoverbe-se! e.... e.... e...
É lindo ! Forte !
ResponderExcluir