quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Sobre a Fernanda Gentil e o Pierce Brosnan

Tirando as medidas econômicas do governo, novas vítimas da violência em nosso país, Charlie Hebdo e o BBB, os dois assuntos que povoam a minha timeline nos últimos dias são: (i) o fato de Pierce Brosnan não ter largado sua mulher ainda que ela tenha engordado (sobre isso leia a curiosa e irônica matéria do Papo de Homem defendendo as razões  do pobre James Bond por não estar desfilando com uma mulher à altura de seu gabarito); e (ii) de ontem para cá, as manifestações de repúdio ao "jornalista" do portal R7 que saiu da casinha ao criticar o corpo de uma apresentadora da Globo na praia que não compartilho por razões de: não dar audiência!  

Que ambos os acontecimentos "jornalísticos" tem em comum um machismo brabo e a perpetuação da busca por um ideal de beleza sacrificante e praticamente impossível de ser atingido pela esmagadora maioria das mulheres é meio óbvio e não quero ficar aqui chovendo no molhado, mas um compartilhamento específico com o qual me deparei provocou questões sutis sobre o tema e que me incomodaram lá no fundinho e que gostaria de provocar aqui... 


Primeiro é importante estabelecer algumas premissas básicas:

Premissa número 1: o corpo da Fernanda Gentil é um corpo MAGRO e absolutamente DENTRO do padrão de beleza considerado aceitável pela nossa sociedade (com o qual podemos e devemos discordar, mas isso não vem ao caso agora). É um corpo tipo o EBTIDA no mundo empresarial (earnings before interest, taxes, depreciation and amortization). No caso seria um CAFMP (corpo antes de figurino, maquiagem e photoshop). Se você acha mesmo que o corpo das celebridades é EXATAMENTE do jeito que você vê na televisão e nas revistas senta ali um pouquinho que depois fazemos outro post para você!

Premissa número 2: o corpo da Keely Shaye-Smith (mulher do Pierce) não é um corpo dentro do nosso padrão estético.

Bem, O post a que me referi e que me pôs a pensar compartilhava a notícia de que Fernanda Gentil está grávida de dois meses com o seguinte comentário: “sambando na cara da sociedade”.

A pergunta que instantaneamente me fiz foi: “quer dizer então que, como ela está grávida aquele corpo não é o dela e, portanto tá tudo certo pois as gordurinhas laterais e o tiquinho de barriguinha que aparecem na foto são na verdade obra da gravidez??? Ou seja: ‘ufa está tudo certo com o padrão de beleza, a mulher é aquilo mesmo e não uma fraude!’ É isso? A notícia dela estar grávida apenas reforça e sustenta o padrão - pensei eu - e isto está errado!”

Neste momento pego a minha barrinha de cerais (pois estou de regime!!!) e, enquanto murmuro qualquer coisa voltando ao meu trabalho dou a minha primeira dentada ainda pensando em "como esse padrão é ridículo e que bacana o vídeo que vi mostrando mulheres com corpos normais fazendo exercício e em como precisamos fazer algo para conscientizar as mulheres quanto à beleza de seus corpos normais". A esta altura minha barrinha já acabou e eu olho para a caixa de alfajores que ganhei do meu colega de trabalho e passo a deseja-la intensamente quando de repente me repreendo: “ei sua gordinha, você está de regime!”. Eureca!

Qual o meu papel na perpetuação desse padrão ao viver de regime sendo que meu IMC é considerado normal, meus exames estão todos em dia e eu me sinto cada vez mais bonita? Quantas meninas e mulheres eu conheço lindas, gostosas, legais, charmosas, sexy, interessantes e de regime? Quantas que estão “dentro do padrão” julgam as “gordinhas” como eu com os olhares incentivando-nos com dietas, detoxes, exercícios e sei lá mais o quê? Porque jamais pode-se dizer a uma mulher que ela engordou mas “como você está magraaaaaaaaaaaaa” é um elogio comparável apenas ao... hummm... acho que é incomparável! Por que vivemos nos preocupando com a saúde de um gordinho mas não com a de tão magro está flertando com a aneroxia ou de tanto malhar está obcecado com o corpo?

Aí me vem à cabeça a Keely e começo a pensar em “como o Pierce Brosnan é um fofo por continuar com ela e que exemplo lindo”... e fui pensando, pensando... e me vi cair na mesma armadilha que estava tentando desmontar! O que tem de exemplo em continuar casado com a pessoa que você ama? Com a mãe dos seus filhos? Eu continuo com meu marido há 12 anos mesmo ele tendo engordado 30 kgs desde que nos conhecemos e não me sinto um exemplo nem recebo incentivos do tipo da sociedade e muito menos me vem à cabeça abandonar a pessoa que eu mais amo nesse mundo por questões de balança!

Quão distorcida é esta sociedade para acharmos que estar com quem amamos, com quem nos faz sorrir, com quem nos dá amor, prazer, tesão, é exemplo apenas pelo fato desta pessoa não se encaixar no que a sociedade considera adequado?

Tem algo muito errado! Principalmente no fato de que, enquanto a minha timeline inteira aparentemente critica o “jornalista” do R7 e os fofoqueiros de Hollywood que não reconhecem o valor de Pierce Brosnan, penso no tanto de amigos/conhecidos/familiares/famosos que de fato trocaram sua mulher por outra muito mais nova, e no outro tanto que sequer se dá ao trabalho de “trocar” pois de tão apavorados que são por um relacionamento adulto permanecem na terra do nunca com as sereias de 20 e poucos anos. 

Pensei também nas mesmas pessoas que defendem a liberação das amarras da balança enquanto se entopem de barrinha de cereal como eu...  bem, mas bora voltar a trabalhar que nesse pensar todo já chegou a hora do almoço e hoje tem uma sopinha detox da hora que eu trouxe!  


4 comentários:

  1. Li seu texto no Brasil Post e realmente adorei. Concordo com cada palavra e um dia, quem sabe, conseguimos nos libertar dos sucos detox e das barrinhas de proteína.
    Beijos
    Mila

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  2. Exato! Ontem mesmo escrevi um "protesto" no FB lembrando à patrulha que 1) o corpo é da mulher e 2) mulheres são pessoas, não enfeites.
    Mas a questão de ser gorda, deixar a perna cabeluda etc. é complexa. Eu sei que não somos livres, que somos animais sociais e que fazemos escolhas baseadas no que os outros vão pensar, no quão vamos ser aceitos e toda uma questão de cultura. Mas me sinto livre usando tipo um 'caminho do meio': sim, eu me depilo quase regularmente; sim, eu evito comer demais para manter meu manequim e poder usar minhas roupas, mas se eu não me depilei eu saio de pernas de fora e eu uso biquini esteja ou não com gorduras a mais. Gosto de pensar que estou servindo de exemplo para minhas filhas pequenas: o corpo é teu, as prioridades estéticas são tu quem escolhe, os padrões existem e claro que nos importamos com eles, mas não somos escravas deles. (Lembro de uma super doutora da USP que fazia o favor de vir à PoA dar aula na UFRGS de vez em qdo: ela fumava dando aula, não costumava tomar banho e se vestia como uma mendiga - tem maior demonstração de arrogância?? PhDeusa define...) Um abraço! Verônica, que diariamente usa make completa com buço de Frida Kahlo

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  3. Veronica, ameeeeeeei o make completo com buço de Frida Kahlo! É isso aí... não fazer das amarras mais uma amarra ao contrário!!! Obrigada pela sua contribuição por aqui! Volte sempre sempre!

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  4. Kamila estamos fazendo a nossa parte ao menos pensando a respeito... largar os sucos e barrinhas talvez seja difícil mas respeitar as escolhas já é um bom começo! Volte sempre! Seja mais do que bem-vinda!

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