quinta-feira, 19 de março de 2015

#NãoARedução - Sobre privilégios



Essa semana voltou à pauta de assuntos das redes sociais um tema que mexe demais comigo: a redução da maioridade penal.

O tema não é novo pois desde 1993 é discutido e existem diversos PLs que propõe essa redução assim como são inúmeras as organizações em defesa dos direitos de crianças e adolescentes mobilizados no lobby legislativo para que a maioridade permaneça como está.

As razões pelas quais sou contra a redução são inúmeras e passam todas inevitavelmente pela certeza de que as crianças e adolescentes são as maiores vítimas de um estado falido e ausente na vida das classes mais baixas e de uma sociedade totalmente cega e insensível aos problemas alheios e que só grita quando dói no seu próprio calo, que só sente a própria dor e ignora diariamente o olhar de sofrimento e o pedido de ajuda do outro!

Para cada adolescente que comete um crime muitos outros (muito mais!) morrem e sofrem as consequências da violência familiar, policial e da própria criminalidade. Morrem também pelo descaso da sociedade em geral com uma nova geração que já nasce fada ao sofrimento e ao desencanto.

Uma geração de rejeitados, de inadotáveis, de abandonados física e emocionalmente que se enveredam para a criminalidade como resposta a uma vida que só lhes apresentou a violência e o abandono!

Absolutamente todos os argumentos de quem é a favor da redução são fáceis de serem refutados com números e estatísticas do quanto medidas punitivas (especialmente nesta fase da vida) são falhas e ineficazes e apenas acentuariam a situação trágica do nosso já mais do que falido sistema prisional

Reduzir a maioridade penal é um atestado de incompetência da sociedade como um todo! É querer curar uma hemorragia com um band-aid! E mais: é culpabilizar as maiores vítimas da insanidade em que vivemos! 

Achar que enviar alguém cuja personalidade ainda se encontra em formação a um sistema prisional como o nosso vai resolver alguma coisa ou é ingenuidade ou é burrice ou é maldade mesmo. A não ser que o objetivo seja sanitarista. Aí é melhor se assumir e matar as crianças pobres e fadadas a esse destino no primeiro sinal de desvio de uma vez... Muito forte? Pois é! Mas é exatamente isso que você está querendo sendo a favor da redução da maioridade penal!

Em um país onde os índices de reincidência de adultos já são tão grandes, o quanto realmente você consegue acreditar que enviar um adolescente para a cadeia vai ajudar na sua ressocialização? E não estou nem entrando no mérito do horror que podem ser as instituições destinadas aos jovens às quais atualmente eles são encaminhados. 

Você já parou para se perguntar quem são esses menores infratores? De onde vem? Qual a história de vida deles? O quanto apanharam, o quanto choraram e não foram atendidos? O quanto amor lhes foi negado em todas as esferas... o quanto foram subnutridos... que alguns já nasceram presos, viciados, com doenças venéreas. Que tantos outros foram abusados sexualmente e obrigados a abusarem de outras crianças? Pelo amor, você pode ser um alienado, mas já deve ter ao menos assistido Cidade de Deus e Tropa de Elite?!!! Não?!!!

Ahhhhh você é daqueles que acham que vivemos em um mundo de oportunidades iguais? Que só vai para o crime quem quer e que a ética e os valores morais são opcionais de cada um?
Sempre me indaguei se as pessoas que dizem isso realmente acreditam nessa conversa ou se ficam repetindo isso em voz alta para conseguir dormir em paz em seu lençol egípcio de 180 fios.

Mas se você REALMENTE ACHA que as oportunidades existem para quem quer estudar/trabalhar de forma igual e se você REALMENTE ACREDITA na meritocracia social gostaria de propor um exercício que li esses dias e que explica muito bem a lógica dos privilégios que pelo jeito parece tão difícil de ser compreendida.  

Imagine-se em uma sala de aula onde cada aluno recebe uma folha de papel para amassar e fazer uma bolinha. O professor coloca o lixo bem na frente da sala, embaixo do quadro negro e explica:  “Esse jogo é muito simples. Vocês representam a população de um país qualquer. E todo cidadão neste país tem a chance de crescer na vida e pertencer às classes mais altas. Para subir às classes mais altas, tudo o que você precisa fazer é acertar sua bolinha no lixo, sem se levantar da cadeira". Imediatamente os alunos do fundo da classe devem protestar (“mas isso não é justo!”). Os que estão atrás têm diante deles um monte de gente e fica fácil enxergar que os da frente terão muito mais facilidade em acertar suas bolinhas no lixo. Quando os arremessos são feitos, acontece o esperado: os da frente conseguem acertar mais (mas nem todos) e os de trás acertam menos (mas alguns acertam). O professor conclui: “Quanto mais perto você está da lata de lixo, maiores são as suas chances de acertar. Isso é um privilégio. Vocês repararam como as reclamações vieram, todas, do fundo da classe? Isso acontece porque as pessoas que estão aqui na frente não estão enxergando a mesma coisa que as pessoas que estão no fundo” Elas estão a poucos metros da lata e não enxergam a mesma quantidade de cabeças à sua frente. E por não terem a mesma situação em seu campo visual, tudo o que elas enxergam é o objetivo do jogo… sem se dar conta, pelo menos não ao ponto de se manifestarem, sobre a posição privilegiada em que se encontram (ou sobre a injustiça com os colegas do fundão).

Então, a solução não está em punir quem não acerta o cesto lá do fundo, mas em criar uma sociedade onde a sala de aula seja um círculo e o cesto fique ao centro.

Enquanto isso não acontece, precisamos ajudar quem está atrás oferecendo alguma compensação por sua posição tão desprivilegiada. Sejam cotas, sejam Bolsas, sejam incentivos à educação e atividades lúdicas. Seja o incentivo no esporte e na cultura, seja facilitando o processo de adoção e conscientizando os pais adotantes da importância de mudar o perfil desejado!

Vamos descriminalizar as drogas e enfraquecer o crime organizado que atrai tantas almas abandonadas a seus próprios destinos! No fundo o que todos os seres humanos desse mundo querem e desejam é amor e aceitação, seja da família, da sociedade, dos amigos ou do crime organizado! Vamos olhar para as pessoas com amor e como seres humanos e não como um número e uma estatística!

Mas não, por favor, não vamos puni-las ainda mais do que elas já o são apenas porque por alguma ironia do destino ao invés de nascerem na frente da sala nasceram no “fundão”!

Ahhhh e me desculpe se te ofendi, mas o que está em jogo aqui é muito maior do que o seu ego e o desejo de sentir-se bem consigo mesmo! 


Um comentário:

  1. Ahhhh, mas o filho da vizinha da empregada passou na federal e é um sucesso!... rs.... Adorei o texto, como sempre. Beijos, Má.

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