Tenho urticária à mulher que se
diz ou demonstra “desesperada para casar” tanto quanto a homem que fica se
fazendo de gostoso, namorando há 100 anos orgulhando-se de estar conseguindo
“fugir da forca” pelo maior tempo possível. Fico mais irritada ainda quando
estou em uma roda e as pessoas - incluindo os pretendentes a noivos - começam
com aquelas brincadeirinhas seguidas de risadas constrangedoras na qual se
insinua que a mulher está sendo “enrolada” pelo parceiro que “se agarra com
todas as suas forças a derradeiros instantes (dias, meses ou anos) de
liberdade”.
Brincadeiras e piadas sobre o
tema não faltam colocando o homem na maioria das vezes na condição de cordeiro
indo para o abate, enquanto a mulher assiste com um olhar sádico e uma risada
digna de bruxa de desenho animado. Aí você olha para o figura e suas saliências
etílicas e calos nos dedos que entregam noitadas de Playstation com os
parceiros com uma puta duma cara de “pega-ninguém” e se sente o próprio Willy
Wonka: “Então, conte-me como é abrir mão de uma vida regada de prazeres sexuais
com mulheres de todos os tipos, cores e tamanhos para cair na monotonia da vida
conjugal?” #SQN
Sempre me senti mal com essas
piadinhas! Primeiro porque desvirtuam um momento que deveria ser belo para 2
seres humanos que resolvem se unir, não por obrigação, mas por não conseguirem
mais ficar longe um do outro. Segundo porque não acho legal me colocarem na
posição de estar obrigando alguém a ficar comigo no melhor estilo Glen Close em
Atração Fatal.
Na prática, percebo que homens
apaixonados e que não veem a hora de começarem uma vida ao lado da mulher que
amam se sentem na obrigação de perpetuarem essas brincadeiras sem graça
enquanto nós mulheres acabamos reforçando esses conceitos muitas vezes de forma
inconsciente (ao jogar o buquê para um amontoado de mulheres que mais parecem
uma manada de emas descendo a savana ou ao colocar o nome #dazamigas solteiras - e que supostamente estariam esperando
ansiosamente a sua vez de amarrarem alguém - na barra do vestido da noiva) e
outras tantas de forma consciente ao condenarmos mulheres “dadas” ou ao sentirmos
pena de mulheres solteiras (algo que vejo nítido nos olhos das casadas que
ficam sentadas enquanto as demais se acotovelam pelo buquê!).
A minha irritação com esse clichê
“mulheres querem casar, homens querem ficar solteiros” vem de longa data! Essa semana porém, ao ouvir no carro a enésima música
com a mesma temática e após me deparar com a cara de espanto de uma pobre
coitada com a qual perdi a paciência durante sua lamentação diária sobre o pedido
que não vinha após 4 anos de namoro, comecei a me questionar: 1) será mesmo que
se pudessem homens não casariam jamais enquanto todas as mulheres, até mesmo as
mais independentes e cheias de si, no fundo só querem alguém para arrastar até
o altar? e 2) se isso for verdade, será fisiológico ou será mais um traço do
machismo nosso de cada dia? O que estaria por tras dessa máxima?
Nada melhor do que usar a nossa
própria experiência e a daqueles que nos rodeiam, bem como um pouquinho de
cultura popular, para iniciar esse tipo de análise “antropológica”.
Então vamos lá:
1) Será mesmo que se pudessem homens não casariam jamais enquanto
todas mulheres, até mesmo as mais independentes e cheias de si, no fundo só
querem alguém para arrastar até o altar?
Nos casamos após 6 anos e meio de
namoro ambos com 25 anos e uns quebrados. Como começamos a namorar muito cedo
(aos 19 para facilitar o cálculo do leitor), o casamento foi algo que naquele
momento simplesmente fez sentido, pois não aguentávamos mais ter que ficar indo
e vindo entre uma casa e outra e não poder ter o nosso cantinho. Não me lembro
de ver meu então namorado-noivo-hoje marido triste com a ideia e nem se sentido
arrastado a fazer algo contra a sua vontade. Buscando um pouco mais na memória me
ocorre que a maioria dos nossos amigos estava bastante feliz e empolgado com a
ideia de seus casamentos tanto quanto suas noivas, sendo que a empolgação
variava para mais ou para menos dependendo da personalidade de cada um e não do
gênero.
O mais interessante é que nada
disso impedia que as malditas brincadeiras rolassem! Ou que colegas de trabalho,
com os quais eu tinha intimidade próxima de zero, se sentissem suficientemente
a vontade para me parabenizar “por ter conseguido laçar o cara após tanto
tempo” no meio do corredor ou, pior ainda, no elevador. Como diriam alguns:
what a fuc$%$%??!! ou em bom e velho
português: que po$%a é essa???!!
Me ponho a pensar na quantidade
de amigas solteiras que reclamam de não estarem em um relacionamento comparadas
ao número de homens que têm a mesma queixa. Há de fato uma diferença gritante.
Em seguida, lembro-me da cara da minha
colega quando lhe propus que ela pedisse o namorado em casamento e das milhares
de matérias que já li nas Novas e Claudias da vida sobre “como amarrar o gato” além
das sessões-cinema regadas a brigadeiro com as amigas assistindo a filmes como
“A verdade nua e crua” e “Como perder um homem em 10 dias”.
Parece que sim, uma boa parcela
de mulheres busca um compromisso na contramão de uma outra maioria de homens
que adorariam passar o resto de suas vidas livres, leves e saltitantes no
mercado. E mais: espera-se que o homem tome a atitude de pôr fim à sua
liberdade pedindo a mulher que o fez renunciar a tamanho privilégio já que
seria ele o “mais prejudicado” com a decisão.
Bem, talvez isso explique a falta
de noção dos colegas de trabalho acima mencionados!
2) Se isso é verdade, será fisiológico ou será mais um traço do
machismo nosso de cada dia? O que está por tras dessa máxima?
Sendo verdade que a maioria dos
homens se sente compelido a enfrentar o casamento como um mal necessário e que
boa parte das mulheres está à espreita para dar o bote no primeiro desavisado,
de onde será que isso surgiu? Como se construiu esse conceito no inconsciente
coletivo que faz com que as pessoas saiam por aí reproduzindo esse padrão com
toda a liberdade e tranquilidade do mundo?
Não encontro outra explicação que
não o machismo velho de cada dia. Não me parece ser fisiológico posto que na
grande maioria das espécies animais o macho tem até que lutar para conseguir a
fêmea que lhe parece a melhor opção genética.
Ora, quantos poetas ao longo dos
séculos derramaram lágrimas e até sangue por amores não correspondidos? Quantos
homens foram para a guerra por grandes paixões? Quantas milhares ou até milhões
de páginas não foram escritas sobre o tamanho do amor e do desejo de homens
inebriados pelo amor e a paixão? Quando foi, então, que apaixonar-se tornou-se
algo feminino ao qual o homem apenas cede em prol da reprodução e perpetuação
da espécie, mas necessariamente contra a sua vontade?
Olhando de novo para as minhas
próprias experiências e as daqueles que me rodeiam, tendo a concluir que,
embora haja de fato esse consenso, ele é muito mais imposto do que sentido. É
como dizer que tem que escovar os dentes 6 vezes por dia e nunca esquecer do
fio dental: todo mundo fala, todo mundo diz que faz, embora não necessariamente
todo mundo pratique.
Assim me parece ser quanto a este
tema. Reproduzimos o conceito muitas vezes sem nos darmos conta de suas
implicações mesmo no fundo não nos identificando com aquele padrão. Assim, a
moça solteira se levanta e esboça um sorriso amarelo ao tentar pegar o buque,
ainda que esteja feliz da vida na sua solteirice regada a saídas divertidas e
carinhas interessantes que ela conhece semanalmente. Da mesma forma o cara que
zoa com os amigos “estar se entregando”,
provavelmente esteja louco de feliz por dentro,
por ter finalmente encontrado alguém que tolere todos os seus hábitos
higiênicos questionáveis.
É claro que este não é um estudo
acadêmico (ainda!) e não me aprofundei em pesquisas para chegar a essa
conclusão! A ideia é ponderar sobre as possíveis causas para que possamos
romper com esse padrão que me parece não corresponder ao que de fato as pessoas
sentem e ainda por cima machuca.
Sim, por mais piada e brincadeira
que seja magoa você sentir ou achar que seu parceiro, o amor da sua vida, no
plano do inconsciente coletivo, preferiria mil vezes estar com seus amigos
solteiros na orgia de terça-feira do que com você (porque é claro que no
imaginário desse inconsciente coletivo, em que apenas homens solteiros tem uma
vida digna de se viver, às terças rola uma orgia e às quartas futebol! Assim se
alternando até domingo onde retorna o futebol com pausa na segunda para
descanso e ressaca!).
Mas e o que podemos e devemos
fazer como homens e mulheres a esse respeito?
Minha modesta conclusão:
questione, não se conforme mas transforme!
Isso mesmo, não aceite as
piadinhas com um sorriso amarelo. E se o seu amigo começa a te zoar com isso
seja franco e diga que está feliz pelo casamento (ou namoro, união estável,
etc.) e porquê. E principalmente não faça isso com os outros! Parabenize,
celebre o amor e pare de fingir que sua vida sexual anterior era praticamente a
do Jude Law em Alfie. E se por acaso
era e você não está tão afim de trocá-la pela monogamia, não troque! Questione
isso também! Tem que casar por que? É um próximo passo necessário? Não é isso
também uma imposição que traz apenas infelicidade a todos os envolvidos?
Converse e discuta sobre isso com a pessoa mais impactada: sua parceira! Será
que ela quer casar ou será
que ela também não está vivendo uma expectativa social a ela imposta? Será que
ela não preferiria que vocês guardassem a grana e fossem rodar o mundo? Enfim,
estabeleça esse diálogo com ela!
E se você é mulher, pare de dizer
para a sua amiga que ela está sendo enrolada. Ajude-a a tomar a iniciativa e as
rédeas de sua própria vida! Quer casar? Peça em casamento! O cara não está
afim? Já se perguntou por que? Quais os objetivos
de vida que vocês têm como parceiros? Não tem que ser tabu falar sobre isso!
São 2 projetos de vida em jogo... Se casar para você é condição sine qua non termine logo e siga sua
vida, mas antes recomendo perguntar-se o porquê dessa condição. Se é mesmo por
você ou pelo rótulo. Pelo status atribuído pela sociedade ao casamento. Se está
feliz e esse homem a satisfaz, que importância tem uma palavra? Idem para os
homens. Se você já está em um relacionamento sério, se há respeito mútuo, amor
e tesão, qual a razão dessa possível resistência ao rótulo?
Me perturba a quantidade de mitos
e tabus em relacionamentos heterossexuais enquanto caminhamos (finalmente!)
para discussões serias a respeito dos relacionamentos homossexuais.
Precisamos chacoalhar os
pré-conceitos em todos os campos para nos focarmos em algo muito mais
importante: ser feliz!
Poderá gostar de: Sobre o dia em que saí do armário Sobre escolhas e ser mulher Sobre mulheres contra o feminismo Sororidade Maternidade ou Carreira Sobre o casamento e a maternidade Os números do machismo #SomosTodasKarinnyOliveira Porque eu preciso do feminismo Quando se é mãe Sobre a Emma Watson e o machismo Humanização do Feminismo?
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Tirou as palavas da minha boca... bom saber que não sou só eu que vejo esses clichês absurdos e preconceituosos no relacionamento entre homem e mulher. O esquema do bouquet em casamentos sempre achei uma cena de humilhação coletiva das mulheres. Tanto que no meu casamento nao fiz. Temos mesmo que falar mais e mais sobre esses assuntos para mudar essa realidade!!
ResponderExcluirExcelente post!! Já fui casada e hoje me sinto ótima divorciada e sozinha. Outro alvo de criticas e piadinhas... A sociedade não sabe conviver com mulheres sozinhas. Mais machismo?? Acredito que sim...
ResponderExcluirAna.
"A sociedade não sabe conviver com mulheres sozinhas..." Perfeito Ana! Por que será isso? Com certeza machismo... Obrigada!
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