Não poderia deixar de comentar a
pesquisa divulgada ontem que aponta os os números do machismo no Brasil.
Nada de novo no fato de 96% dos
jovens (a pesquisa foi conduzida com jovens de 16 a 24 anos) considerarem
vivermos em uma sociedade machista, mas muito surpreendente e um tanto
aterrorizante o fato de uma parcela expressiva considerar normais atitudes que
só reforçam a misoginia colocando as mulheres em posição de desigualdade com
consequências mais ou menos violentas mas igualmente degradantes.
O levantamento foi feito pelo Instituto Avon e Data Popular com 2.046
jovens de 16 a 24 anos de todas as regiões do país – sendo 1.029 mulheres e
1.017 homens e de certa forma explica algumas das conclusões da famigerada
pesquisa do IPEA segundo a qual 26% dos
brasileiros acreditam que uma mulher merece ser atacada dependendo das roupas
que use. (ok não era 65% como anteriormente se alardeou, mas se você acha 26%
ok, volte duas casas no processo evolutivo).
Sobre o controle que os homens exercem desde cedo nas vidas das mulheres
com quem se relacionam temos que 33%, já foram impedidas de usar determinada roupa e 9% já foram obrigadas a fazer
sexo quando não estavam com vontade. Além disso 37% tiveram relação sexual
sem camisinha por insistência do parceiro. Temos também que 35% das meninas já foram xingadas pelo namorado
(talvez por terem "desobedecido" alguma das ordens anteriores).
Lendo a matéria
me pego pensando em como o machismo é sutil e em todas as situações que eu
mesma já vi e vivi ouvindo de mulheres orgulhosas e encantadas sobre o ciúme do
parceiro (já fui dessas) como se aquilo fosse prova de amor - especialmente na
idade das entrevistadas - nas amigas contando que o fulaninho não deixa ela
usar saia curta ou decote com aquele olhar de quem está sendo "cuidada"
e nas inúmeras amigas e conhecidas que tenho que não só não podem sair sozinhas com as amigas como acham
errado que eu "possa". Elas não devem ter achado nada demais o fato de 48% dos meninos entrevistados
acharem errado a mulher sair com os amigos, sem a companhia do marido, namorado
ou "ficante" e nem o fato de 40%
das mulheres relatarem que o parceiro controla o que fazem, onde e com quem
estão.
Ao mesmo tempo
não consigo parar de pensar no perigo dessas crenças vendidas a meninas e
meninos desde tão cedo. Em como elas estão direta e indiretamente ligadas aos
números da violência doméstica contra mulheres e aos altos índices de estupros
e abusos dos mais variados contra jovens e adultas conforme demonstram os números mais uma vez (3 em cada 4 jovens já foram agredidas por seus parceiros).
A maioria esmagadora das meninas
(78%) já relata terem sofrido algum tipo de
assédio como cantada ofensiva, abordagem violenta na balada e ser beijada à
força. Lembrem-se: estamos falando de meninas de 16 a 24 anos, cuja vida sexual
e amorosa está apenas no início. Quais seriam os números se fizéssemos a mesma
pesquisa com mulheres entre 30 e 50 anos? Não me espantaria que em uma base
mais ampla 100% declarassem já ter sido beijadas a força. Talvez para
"fugir" desses perigos é que 80% achem que a mulher não deve ficar
bêbada (o homem é claro que não só pode como deve!) em festas ou
baladas (em casa em sofrimento solitário deve poder, pois com uma vida dessas é
o que resta...).
Confesso que para quem pesquisa e
defende quase que diariamente a igualdade e os direitos das mulheres ler que
quase metade (42%) delas reprovam uma mulher que
fique com muitos homens e que 43% dos garotos categorizam mulheres para namorar
ou para ficar deu um nó aqui na garganta.
Considerando que
estamos falando de uma geração nova, de novos homens e mulheres que vão criar
mais homens e mulheres possivelmente com este mesmo pensamento, não consigo não
entristecer e me perguntar então quando é que teremos enfim liberdade para
escolher? Quando poderemos andar pelas ruas livres com a roupa que melhor
entendermos sem medo de sermos atacadas e, pior, culpadas por isso? Quando o
sexo deixará de ser uma prerrogativa masculina, seja limitando as escolhas da
mulher quanto à quantidade e qualidade, mas também ao ser considerado um
direito do parceiro que deve ser satisfeito ainda que não estejamos com
vontade? Até quando as regras da “moral” serão maiores e mais imponentes
que as leis e direitos constitucionais que nos protegem?
Mas a pergunta
que mais me atormenta é até quando nós mulheres seremos perpetuadoras desses absurdos?
Como me deixa
triste ouvir de amigas/conhecidas: “você não cansa desse mimimi feminista??!”
ou “afe que preguiça hein”. Nossa isso me dói na alma de um jeito muito
profundo!
E você? Já parou para pensar como
pode estar contribuindo para o “machismo nosso de cada dia”?
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