terça-feira, 25 de novembro de 2014

Sobre escolhas e ser mulher...


Tenho acompanhado de perto o debate entre mulheres feministas e não feministas sobre o direito da mulher à escolha.

Na essência muitas parecem defender a escolha da mulher: escolha pela interrupção ou não da gravidez, escolha da via de parto (cesárea ou normal), escolha pela amamentação ou não, escolha entre babá, creche ou sair do mercado para cuidar em primeira mão dos filhotes e assim por diante.

Dois pontos, porém me chamam a atenção nesses debates: 1) há de fato escolha? e 2) existe aceitação da escolha por si só e não do mérito da escolha?

Tenho me indagado cada vez mais profundamente quanto ao real poder de escolha da mulher nos mais variados campos de nossas vidas. Cada vez mais concluo que temos muito menos poder de escolha do que gostaríamos de acreditar e somos cobradas por essas (seja qual forem) de forma incessante e muitas vezes cruel pelas próprias mulheres.

Existe a escolha de evitar a gravidez 100%? Quem nunca fez sexo desprotegido achando que “certas coisas só acontecem com os outros” merece um Nobel da adolescência.

Quem nunca se encontrou rezando esperando um teste negativo sabendo que uma gravidez naquele momento mudaria para sempre a sua vida virando de cabeça para baixo todos os sonhos em construção que atire a primeira pedra.

Há, então, escolha quando você se encontra sozinha grávida sem apoio dos pais ou do parceiro tendo que assumir uma vida que você sabe que não tem condições (seja emocional, financeira, o que for...)? E, ainda que você tenha o “apoio” do parceiro, a vida de quem vai efetivamente mudar? O que acontece com ele na nossa sociedade (como ela é e não como deveria ser) se ele resolve mudar seus planos depois de 1, 2, 3 ou mais anos e cansar de “brincar de papai”?

Minha sogra tem uma frase muito sábia que infelizmente reflete a nossa realidade machista: “tente ter filhos quando você souber que pode cria-los sozinha. Se tiver um parceiro muito que bem, é lucro, mas que você saiba que não dependerá dele caso algo aconteça.”

Triste mas extremamente real.

Superado o ter ou não ter a criança, temos real escolha quando optamos pela maternidade e não pela carreira que sempre sonhamos quando a sociedade inteira nos pressiona/encoraja direta ou indiretamente a ser mãe e não profissional?

Não me parece de fato uma escolha ter que optar entre: 1) a carreira que você gosta e na qual você ganha ok e que te consome 8 horas ou mais do seu dia para depois ter que cuidar da casa, cozinhar para o marido, dar banho nas crianças, coloca-las para dormir, trabalhar mais um pouquinho, fazer sexo (de preferência selvagem) com o marido e preparar o lanche, mochila, etcs. do dia seguinte; e 2) dedicar-se exclusivamente à maternidade e à casa quando as pessoas ainda te dizem: “querida, você não PRECISA trabalhar, você está muito cansada, as crianças precisam de você. Está tudo bem você aceitar isso e parar por um tempo”.

Ninguém te diz: exija que seu marido divida as tarefas! Ninguém diz para o seu marido largar o emprego (ainda que ele ganhe bem menos do que você) e ficar em casa. Ninguém te dá essa opção e quando uma mulher ou um casal faz essa opção as críticas vêm igual um míssil de tudo quanto é lado.Como é vista uma mãe que abandona a carreira pelos filhos? E o contrário? Como é vista uma mulher que opta por não ter filhos para se dedicar à carreira de seu sonho? Isso é escolha?

No parto é a mesma coisa: qual a opção real que uma mulher tem de ter um parto humanizado em uma sociedade que te empurra para uma cesárea ainda que desnecessária? Quando ela está em uma maca e o ser humano mais poderoso que existe naquele momento na sala diz: você quer continuar tentando e colocar a vida do seu filho em risco ou vamos fazer cesárea? Há escolha? Quem em sã consciência faria uma escolha diferente da de confiar em alguém que estudou décadas para fazer aquilo?

Não, não temos escolha na maioria dessas situações. Mas como disse no início o mais cruel é que quando de fato temos escolha e optamos por algo que contraria este ou aquele grupo nossas escolhas não são respeitadas.

Vamos tomar como exemplo a discussão do parto. Fala-se muito nos blogs e veículos ativistas, sobre o direito à informação para que a mulher se empodere de seu parto e escolha a via que for melhor para ela e seu bebê sem ficar refém dos profissionais de saúde e da falta de informação. Dito isso, mesmo após estarem muito bem informadas quanto a riscos, mitos e verdades, consequências e benefícios de um e de outro sistema, algumas (ou muitas, mas tenho fugido de generalizações) ativistas do parto humanizado custam a aceitar a cesárea eletiva como uma escolha da mulher. Algumas batem incessantemente na tecla de que se a mulher tiver informação ela sempre escolherá o parto normal, pois ele é melhor para a criança. Outras defendem que essa escolha não deve ser feita pensando nos benefícios à mulher e sim ao bebê. Fato é que os julgamentos correm soltos de um lado e de outro gerando apenas antipatia entre as envolvidas!

O mesmo ocorre com o aborto onde a discussão é ainda mais profunda, pois supostamente envolveria direitos opostos: os do feto e os da mãe. A máxima “se não queria ter filho que tivesse se prevenido melhor” é ouvida/lida constantemente.

Quando falamos de carreira o cenário não é diferente. As que defendem a escolha da mãe de ficar em casa sempre alardeiam que é necessário pensar na criança e não apenas no “nosso próprio umbigo”. E aí entra a clássica “se não quer criar não bote filho no mundo” (o que me parece um pouco incoerente com o argumento anterior contra o aborto, mas tudo bem!).

Ou seja, quando o espermatozoide que carrega o cromossoma X encontrou o óvulo de nossa mãezinha traçou-se um destino de muito pouca opção para nós e mais ainda de muito julgamento de tudo quanto é lado!

Sim, eu não abortaria, mas acho que a escolha de abortar ou não é da mulher, pois o corpo é dela e a vida também!

Sim, eu quero parto normal natural humanizado com direito a trilha sonora e anjos tocando harpa, mas defendo com unhas e dentes a escolha e se essa escolha for por marcar hora para poder fazer a unha e cortar o cabelo que seja.

Sim, eu quero ser mãe e eu não preciso trabalhar, mas amo a minha carreira e não quero deixar de ser uma profissional bem sucedida e se isso significar ter uma, duas, três, quatro babás é um direito meu e quero ser respeitada na minha decisão tanto quanto respeito a decisão de quem desejar escolher diferente. Essa é uma decisão que cabe única e exclusivamente a mim e a cada uma das mulheres que se encontra nessa encruzilhada!

Não me proponho aqui a trazer soluções, pois se as tivesse provavelmente estaria rica a essa altura do campeonato, mas acredito que devemos aprender como mulheres urgentemente a respeitarmos as escolhas umas das outras.

No mundo ideal não precisaríamos justificar nossas escolhas simplesmente pelo fato de sermos mulher. Poderíamos escolher e ser respeitadas assim como o são os homens na maioria (não todas) das situações.

Meu desejo sincero para esse mundo é que a sociedade aprenda a de fato dar opção às mulheres e que estas por sua vez aprendam a respeitar as escolhas diferentes das suas. Que as opções que os homens tomam possam ser as mesmas que as mulheres tomam e que o mundo seja mais livre e menos julgador! 

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