Muito antes de existir
Facebook eu já era assídua frequentadora
de discussões e como já falei
aqui nunca fui de “arregar” e só costumava parar de argumentar quando achava que
tinha convencido o interlocutor. Com o tempo descobri que na maior parte das
vezes a única coisa da qual a pessoa tinha se convencido era de que me dar
razão aparentava ser a saída mais fácil e, por vezes, de que eu era chata para
cacete. O amadurecimento me fez aprender
também que ninguém se convence com agressividade e tom professoral ou condescendente
e que ouvir muitas vezes é o melhor caminho para o diálogo. Minhas discussões começaram
então a ser divididas entre: 1) “quero mostrar um ponto diferente para esta
pessoa que eu amo/aprecio/admiro”; 2) “acho que não vamos chegar a lugar nenhum
então melhor não discutir esse tema pois pode agredir! Vamos falar de
coisas que nos unem”; 3) “quero só que esse imbecil saia da minha frente e pare
de falar asneira”; e 4) “to cagando, deixa esse bosta falar o que ele quer”. Isso
se tornou ainda mais necessário ao me descobrir feminista, estudar cada vez
mais o assunto e circular mais e mais nesse meio que é, e deve ser, por
natureza combativo. Em uma releitura do “ser feliz ou ter razão” comecei a me
perguntar o que eu desejava: brigar com todos os meus amigos e familiares ou
mudar o mundo?
Posicionar-se é imprescindível!
Ter coerência também, mas o que tenho visto excessivamente nos discursos é uma
completa falta de empatia com o ser humano do lado de lá! Sim, do lado de lá
temos pessoas com opiniões divergentes muitas vezes difíceis de serem engolidas mas não podemos esquecer que pessoas são mais do
que pautas ideológicas e argumentação política! Pessoas tem histórias, dores e
sofrimento! Pessoas tem intenções muitas vezes nobres embora possam agir de forma equivocada ou mal informada! Pessoas tem sentimentos e os ataques contínuos
apenas nos distanciam e nos isolam em feudos ideológicos que dificilmente
trarão os resultados esperados no menor espaço de tempo desejado. E isso vale
para todas as pessoas, inclusive machistas, racistas e preconceituosas. Quem
sou eu para pegar a minha varinha de feminista e sair atacando machistas quando
eu mesma até pouco tempo reproduzia inúmeras atitudes altamente machistas? Quem
sou para julgar a pessoa que a vida inteira cresceu imbuída de conceitos racistas
e preconceituosos e dizer que elas não merecem viver? Quem sou eu? Pessoas podem ser racistas e homofóbicas e altamente honestas e éticas, assim como ativistas de esquerda que defendem a igualdade e fraternidade aos quatro cantos podem ser machistas e misóginas. Feministas podem ser corruptas e ativistas do Greenpeace podem estar neste momento batendo em seus filhos! Sim, porque ninguém é SÓ uma coisa! Todos somos múltiplos e complexos e rótulos distanciam justamente porque a pessoa não se identifica com o que o limita a algo que não a descreve corretamente.
O caso Gregório Duvivier e do
vídeo infeliz do Porta dos Fundos sobre o universo trans é um bom exemplo disso. Não estou aqui querendo justificar
atitudes imbecis reiteradas como as do Danilo Gentili, por exemplo, mas os ataques
que li ao Gregório para mim foram um bom exemplo da demonização do ser humano
ao invés da crítica ao argumento, ao erro, ao fato em si! Ok, o vídeo é ruim!
Ok, ele errou! Mas isso anula tudo de bom que ele tem feito? Isso anula por
completo as intenções? Acredito que não! E mais: acredito que esse tipo de
ataque apenas isola e afasta quem está bem intencionado e desejando apoiar seja
lá qual for a causa!
Uso esse exemplo apenas para
ilustrar algo sintomático em inúmeros debates inclusive e, talvez principalmente, por parte dos ativistas. Tenho entrado em muitas páginas feministas e de
movimentos negros e LGBTs e vejo muita agressividade dirigida à pessoa e não ao argumento. Vejo também muito despreparo técnico para a resposta fundamentada. Não
é porque você é de esquerda e feminista ou negra que pode responder com “porque
sim e cala a boca seu macho de merda” a uma ponderação sensata e indagativa! Eu
entendo a agressividade e até a endosso mas não creio realmente que rotular as
pessoas de “A” ou “B” nos ajude a chegar a lugares muito interessantes. A luta
é normal e o sentimento do oprimido contra o opressor é justificado mas na
minha luta prefiro acreditar que estender a mão e acolher é muito mais efetivo
do que dar o troco na mesma moeda.
Um outro caso que me chamou
atenção foi uma discussão num grupo de mães sobre o texto da
escritora queafirmou se tornar uma mãe melhor ao fumar maconha. Muito bem, os comentários se dividiram entre: julgar a mulher que fuma maconha como uma irresponsável ou julgar as que a julgavam como hipócritas viciadas em
antidepressivos. Gente, sério, a discussão poderia ser tãaaaaaao mais
interessante... a troca de experiência então nem se fala! Mas, ao optarmos por
julgamentos (normalmente rasos) caímos em falácias e equívocos como o de tachar
mulheres com depressão e que fazem uso de remédio de “patricinhas mimadas” e
mulheres que apoiam o uso da maconha de “naturebas irresponsáveis”. E o mesmo
ocorre quando se fala de qualquer assunto: parto, amamentação, criação, voto,
estilo de vida, crenças, futebol e por aí vai!
Somos todos seres falhos e
apontar dedos para as pessoas o tempo inteiro além de ser simplista, já que as
coloca em caixas que não as definem por inteiro, é extremamente perigoso para a
nossa própria coerência. É o famoso cuspir pra cima! Eu já julguei muito e já
quebrei muito a cara me vendo na situação exata que anos antes estava julgando!
Na busca pelo autoconhecimento e como coach
minha missão é aplicar o julgamento zero! Claro que é muito difícil, se não
impossível, mas necessário, diria até imprescindível de ser buscado. O
julgamento é inerente à nossa condição humana e social mas o esforço de
desconstrução e autoavaliação para então exercer a empatia e a compaixão é o
passo que todos precisamos dar.
Quem me conhece ou me acompanha
há algum tempo pode estar estranhando esse posicionamento já que continuo tendo
opiniões fortes e bem definidas, inclusive públicas, mas a discussão aqui é o
julgamento e a falta de empatia às pessoas!
Eu não tenho e continuarei não tendo qualquer tolerância com argumentos machistas, racistas,
preconceituosos em geral, mas tenho tentado sempre exercitar a empatia pela
pessoa que os profere e entender o porquê daquele posicionamento antes de gostar
ou desgostar de alguém. É o famoso condenar o “pecado” e não o “pecador”. Ressalvadas as exceções, grande
parte das pessoas tem uma história de vida singular que explica sua visão de
mundo e seu posicionamento e compreende-los certamente é uma chave muito mais
efetiva ao diálogo e ao entendimento do que simplesmente atacá-la e rotulá-la. “Nossa,
como você consegue ser amiga daquele cara fã do Bolsonaro?” “Afe, não acredito
que fulaninha compartilhou um post do Olavo de Carvalho e você ainda a defende”.
“Ai agora você fica defendendo comunista??? Vende o seu iphone então!” “Petista,
safado e corrupto”. “Playboy fútil”, “Perua deslumbrada” “Homem é tudo isso” “mulher
é tudo aquilo” são algumas das afirmativas que tenho ouvido e que geraram esse
post.
Já venho falando sobre isso
aqui e no meu post mais “
popular” o que eu considerava um convite à reflexão interna acabou me gerando uma série
de ataques completamente infundados que na época me levaram a refletir também
sobre como EU estava enxergando as pessoas “sem noção” da minha
timeline.
Meu convite a todos e todas é
então para que possamos debater sim, posicionarmo-nos com certeza, abraçar causas
e bandeiras se assim desejarmos, mas para que o façamos com respeito ao ser
humano de lá! Que exercitemos empatia pelo mensageiro ainda que repulsa pela
mensagem! Sei que não é um exercício nada
fácil! Acreditem, eu sou a pessoa menos propensa a esse tipo de prática. Desde
que me entendo por gente recebo feedbacks me descrevendo como mandona,
intolerante a opiniões divergentes e “alguém que tenta impor a sua opinião nem
que para isso tenha que discutir o dia inteiro” (sim isso veio no meu boletim
da terceira série!). Mas acredito que quanto mais difícil a prática da empatia e da compaixão mais necessária ela será para mim! Como disse Madre Teresa, “todas as nossas palavras serão inúteis se não brotarem do fundo do
coração. As palavras que não dão luz aumentam a escuridão”. Posso assegurar
que o caminho é árduo e o exercício é diário, mas a recompensa e a gratificação
do genuíno debate, do amor e acolhimento, de trazer para o diálogo pessoas que eu
jamais imaginei que concordariam comigo sobre determinados temas é
indescritível.
Finalizo então com um grande líder
que nos provou o poder do discurso e da luta pacífica ainda que com uma agenda
clara e bem posicionada!
Através da violência você pode matar um assassino, mas não pode matar o
assassinato. Através da violência você pode matar um mentiroso, mas não pode
estabelecer a verdade. Através da violência você pode matar uma pessoa odienta,
mas não pode matar o ódio. A escuridão não pode extingüir a escuridão. Só a luz
pode. – Martin Luther King