segunda-feira, 22 de junho de 2015

Questões de Gênero e o medo

H
Sempre me incomodei quando alguém usava como argumento para não querer ter um@ filh@ gay o fato de que est@ teria que sofrer muito em uma sociedade como a nossa”. “Mas não seria mais um motivo para fazermos – ou tentarmos fazer - do mundo um lugar melhor ao invés de torcermos para que noss@ filh@ não faça parte de um grupo constantemente humilhado e assediado em todos os sentidos?" Torceríamos então para sempre termos somente filhos homens e heteros já que são os que menos sofrem em nosso mundo cis???” Assim se iniciaram muitos debates e muitas conversas que normalmente me deixavam apenas com raiva, pois no fundo esse argumento era apenas algo que a pessoa gostava de dizer para si mesma para não ter que assumir seus próprios preconceitos.

Pois bem, hoje, ao acompanhar a votação do Plano Municipal de Educação (PME) na Câmara de Vereadores de Curitiba, pela primeira vez senti esse medo! Olhando ao meu redor só o que eu via eram rostos raivosos! Ouvia gritos quase que de guerra usando o nome de Deus para justificar a intolerância, o machismo, o racismo e a homofobia. Como se um filme estivesse passando na minha frente em câmera lenta no qual me vi completamente espectadora me senti pela primeira vez realmente assustada! Olhei para o alto e vi parte dos manifestantes LGBTs com balões coloridos espremidos por um número pelo menos 10 vezes maior de conservadores com faixas que diziam coisas como: “Curitiba sem gênero e sem diversidade!” “Homem é homem, menino é menino e macaco é macaco”. Olhei no olho de um menino em especial no meio daquele tumulto e não pude evitar de sentir medo!

Ao ouvir os vereadores que deram voz ao que viria a ser o posicionamento da Câmara mais tarde meu coração se enchia de tristeza e desconsolo (as expressões gênero e diversidade foram excluídas do PME assim como aconteceu no âmbito nacional). Não vou entrar no mérito das inconstitucionalidades dessas medidas conservadoras que afrontam diretamente o estado laico (para quem tiver interesse segue a nota oficial da Presidência da OAB sobre o tema) pois este não é o foro e há muitos por aí explorando muito melhor do que eu a parte técnica do tema, mas questiono-me hoje após esse dia tão difícil (ainda está sendo votado na Assembleia Legislativa o Plano Estadual enquanto escrevo) quais os rumos que o nosso país e a nossa sociedade estão tomando. Não tenho receio em dizer que já estamos em um estado fundamentalista! Ao finalizarem suas falas em plenário os vereadores “cristãos” (e sim, cabem aqui MUITAS aspas) foram aplaudidos e saudados com gritos de “aleluia” “glória a Deus” e “Jesus é o nosso rei”. Em discursos efusivos foram defendidas a discriminação de gênero, a homofobia e a manutenção de um sistema que exclui, que agride e que mata!

Olhava ao meu redor contemplativa tentando imaginar o que Jesus pensaria daquilo. O que o homem que veio pregar o amor e a tolerância, que andava com putas e excluídos pensaria daquelas atitudes inflamadas que, em algum momento, também o consideraram subversivo e o crucificaram? O que ele sentiria ao saber que em seu nome crianças são mortas, homens e mulheres são espancados e estuprados de forma “corretiva” e tantos outros levados a tirarem suas próprias vidas por não conseguirem conviver com tanta intolerância?

Fitava os olhares cheios de ódio, cheios de raiva e só conseguia pensar no meu futuro filho ou filha. No mundo que os espera... e se for menina? E se for gay ou lésbica? Ou trans? E se for negro(a)? O que será desses filhos que ainda não tenho? O que será de mim? Em que momento esse estado nada laico conseguirá silenciar a minha voz de mulher subversiva que deveria estar em casa cumprindo o seu papel “bíblico”?

E foi neste momento que me lembrei d@s muit@s que lutaram e lutam - bem mais do que eu -por um mundo justo e igualitário. Lembrei-me de tod@s que sofreram e sofrem apenas para terem minimamente assegurado seu direito a existir. Lembrei-me, que eu não tenho outra opção a não ser continuar lutando e acreditando, afinal, como disse Sally Kempton: “Tornei-me feminista como uma alternativa a ter que me tornar uma masoquista”

Hoje serviu, dentre outras coisas para confirmar que não mais vivemos em um estado laico real. Hoje me mostrou que é cada vez mais essencial mostrarmos a noss@s amig@s a importância de fazer-se presente e de posicionar-se ao lado do que é justo e humano! Se nós não estamos articulados eles estão. Hoje serviu principalmente para agradecer a tant@s que continuam nessa luta diária que, acreditem, não é fácil!

Meu obrigada especial vai à CEVIGE e as demais comissões da OAB que estão incansáveis nessas últimas semanas em busca de um mundo com menos ódio! Vai às pessoas que me fazem acreditar que é possível e que me ensinam tanto diariamente sobre o respeito e a tolerância! E o pedido de desculpas vai aos que estão por vir! Por não termos ainda conseguido preparar uma sociedade na qual os seres (não apenas humanos) são respeitados e valorizados na sua singularidade e na sua beleza única e não colocados em situação de humilhação constante e de sofrimento continuo em nome de um Deus que certamente está sendo mal interpretado! Por estarmos ainda em uma sociedade em que o verdadeiro deus é o poder e o dinheiro que pode comprá-lo e a religião é a arma usada para conquista-lo!

O medo bateu mas a coragem irá prevalecer! Afinal de contas não temos opção...



quinta-feira, 11 de junho de 2015

Sobre cotas para mulheres, a capa da Exame e o mimimi

Hoje foi um daqueles dias de atrasos acumulados em que a gente se sente meio médico de convênio que marca com você às 16:30 e te atende as 18:00 porque todos os atendimentos anteriores atrasaram “5 minutinhos”. Mas eu precisava comprar uma lata de leite em pó a ser doado para a iniciativa social linda de uma amiga empreendedora (Mutativa!). Então, entrei apressada nas Lojas Americanas após um atendimento, buscando o setor onde eu esperava encontrar a tal lata de leite. No caminho do caixa, como todas devem saber há inúmeras tentações “chocoláticas” e também revistas que normalmente eu costumo ignorar (a segunda com mais sucesso do que a primeira).

Foi então que bati o olho na Exame: “As mulheres precisam de cotas?” Tchan tchan tchan.... Em letras menores a chamada dizia: “Empresárias e altas executivas defendem cotas para mulheres na cúpula das empresas brasileiras. A meta é nobre, mas fica a pergunta – será que esse é o melhor caminho para atingi-la?” Ai ai ai... “será que arrisco?” dialoguei com a minha versão menos masoquista que tem conseguido com certo sucesso não ler artigos de blogueiros da Veja apenas para saciar uma curiosidade mórbida quanto à argumentação tosca e distorcida da vez ou posts de amigos nonsense que só me fazem passar raiva. “Ahhh vou comprar! Afinal de contas nesse caso trata-se de material de estudo para o meu trabalho...”

Deveria ter ouvido o meu primeiro instinto... as usual...

Já no primeiro parágrafo me deparo com a seguinte frase: “mas muitas (das executivas a favor das cotas) se sentem numa posição desconfortável por defender uma medida discriminatória como são as cotas”. Após aquele momento “oh my God” respiro fundo e continuo a leitura para me deparar com uma citação da presidente da TAM que afirma: “a imposição de cotas deve ser utilizada com muita cautela para que não se criem outras distorções como colocar pessoas menos qualificadas para o exercício de uma função”.

Este era apenas o prenúncio de uma tragédia anunciada lá na fila do caixa da americanas.

A matéria continua de forma desastrosa e tendenciosa (para não dizer de má-fé) a fazer uma construção insidiosa de argumentos machistas disfarçados mal e porcamente de neutros para concluir que “no mínimo o tema deve ser tratado com cuidado”. Para fazer isso a Exame: distorce números, lança mão de e reforça estereótipos, demonstra um conhecimento nulo sobre questões de gênero, passando por uma subseção da matéria intitulada “sem mimimi”. Não bastasse isso tudo ela simplesmente tira do contexto frases da minha “personal musa” e diva Sheryl Sandberg fazendo crer ao pobre leitor desavisado que ela coloca a culpa da desigualdade no mercado de trabalho nas mulheres em seu livro “Faça Acontecer” e isso minhas amigas e meus amigos para mim foi imperdoável!

E é por isso que após terminar (sim eu cheguei até o fim com muito nó no estomago) de ler essa matéria patética eu resolvi ligar o meu computador à meia noite e quarenta para detalhar as falácias da matéria da Exame desta semana. Não é minha pretensão apresentar todos os dados e números pois para isso o Sr. Google está aí. Trago aqui algumas fontes que podem ser consultadas só para começar a brincar, mas a ideia mesmo é desconstruir e problematizar raciocínios falaciosos e sim muito muito machistas.

De antemão peço desculpas por eventuais erros de digitação pelo adiantar da hora. Não peço desculpas porém pelo tom pois estou de verdade farta desse tipo de matéria, desse tipo de raciocínio e dessa mídia completamente misógina e desrespeitosa com todas nós. 

Falácia número 1: “As cotas são uma medida discriminatória”


Temos aqui um caso clássico de falsa simetria, ou seja: quando uma pessoa compara duas coisas muito diferentes, envolvidas numa relação de poder completamente desequilibrada, e as julga semelhantes. A falsa simetria é quando, querendo tratar tudo com "igualdade", nós fingimos que a desigualdade de poder não existe.

Cotas sempre existiram, elas apenas vinham beneficiando apenas homens! 

Em que planeta um homem vai ser discriminado por ser homem? Em que planeta ter cotas para mulheres fará com que a coletividade “homens” que domina absolutamente o espaço público será preterida e marginalizada gerando uma “distorção” no mercado de trabalho?

Esses argumentos são o equivalente aos dos apoiadores do dia do orgulho hétero e das camisetas “100% branco”.

Bem, se você acredita nesses argumentos a dica é sair correndo deste blog pois você irá se irritar muito com ele. A outra dica seria estudar um pouquinho de história e sociologia se der tempo que vai sempre muito bem e evita constrangimentos. 

Falácia número 2: “As mulheres são menos preparadas e podem levar as empresas à falência se estas forem obrigadas a terem cotas nos Conselhos de Administração”


Deixando o fatalismo de lado, os números demonstram exatamente o contrário mas ainda que se queira usar o argumento de que esse estudo não focou em mulheres “cotistas”,  os dados da Noruega, pioneira na adoção de cotas para mulheres nos Conselhos de Administração nos dizem que: “no mínimo, há consenso que as coisas continuam mais ou menos como estavam antes das cotas, como concluiu um estudo da Confederação de Empresas Norueguesas (NHO na sigla em norueguês)”.

Então pode ficar tranquilinho que as suas ações na Bolsa não irão despencar caso alguma medida desse tipo passe no Brasil!!!

Falácia número 3: “O relógio biológico”


Aqui começa o festival de pérolas!

“Muitas mulheres não conseguem conciliar a vida familiar e a carreira” diz Fernando Mantovani.

Porque, já os homens né... Não? Eles também não conseguem? Opa! Pera! Eles ao menos tentam?

Pois é... por que será que as mulheres não “conseguem” conciliar? Será porque elas dedicam 26 horas semanais às tarefas domesticas enquanto os homens apenas 10? Será por que elas ouvem o tempo inteiro da sociedade que “os filhos e a família tem que vir em primeiro lugar” e normalmente passam seu horário de expediente afundadas na culpa pelas “péssimas mães” que são e suas horas em casa preocupadas com o que está sendo decidido no Happy Hour com o chefe ao qual não puderam comparecer? Ou será talvez porque mulheres altamente motivadas são vistas por seus empregadores como tão dedicadas ao trabalho que provavelmente sejam más mães e isso resulta em aumentos salariais menores e em menos promoções? Ou, ainda, por frases justamente como as reproduzidas na matéria em que mulheres que tiveram sucesso profissional reconhecem a “sorte que tiveram por terem encontrado um parceiro compreensivo”? Sim, porque a Exame chama de “alternativa” a participação masculina nas tarefas domésticas porque né... todos sabemos de quem é a obrigação!

Mas vamos além... pode ser talvez que essas mulheres “falhem” nessa conciliação porque ninguém te diz: exija que seu marido divida as tarefas! Ninguém diz para o seu marido largar o emprego (ainda que ele ganhe bem menos do que você) e ficar em casa para apoiar a sua grande oportunidade de promoção. Ninguém te dá essa opção e quando uma mulher ou um casal faz essa opção as críticas vêm igual um míssil de tudo quanto é lado. Como é vista uma mãe que abandona a carreira pelos filhos? E o contrário? Como é vista uma mulher que opta por não ter filhos para se dedicar à carreira de seu sonho? Isso é escolha? Isso é “não conseguir”?

Falácia número 4: “O mimimi”  


Preciso confessar que quase gorfei ao ler o subtítulo “sem mimimi” no mesmo dia em que uma farmacêutica lança uma campanha bizarra tratando a cólica menstrual como frescura e "mimimi" em um contexto em que mais de 7 milhões de brasileiras sofrem com fortes cólicas menstrual, declínio na qualidade de vida, com destruições de sonhos, adiamento de planos e tarefas e não conseguem um diagnóstico em menos de 10 anos de uma doença chamada endometriose justamente por essa banalização da dor alheia... ok ok esse é assunto para outro post. Enfim, achando que o subtítulo era o pior que poderia haver nesta matéria e que dali para frente não tinha como piorar me deparo com a seguinte colocação: “Inevitavelmente, discussões que envolvem desigualdade de gênero acabam flertando com certa vitimização das mulheres, diante de uma suposta conspiração masculina. Essa ideia tem sido rechaçada por executivas que cobram das próprias mulheres uma postura mais agressiva (...)” O bla bla bla continua para concluir brilhantemente que a musa Sheryl Sandberg acredita que o mundo é o que é porque “os homens aproveitam melhor e mais rapidamente as oportunidades do que as mulheres às quais falta ambição”.


E neste momento ficou claro para mim que o que, até então, eu estava considerando uma matéria tendenciosa e desinformada era na verdade uma tentativa de má-fé de deslegitimar ações afirmativas de inclusão com o objetivo de perpetuar privilégios. Se esta criatura que escreveu a matéria tivesse LIDO o livro da Sheryl ou ao menos acompanhasse a musa nas mídias sociais, certamente saberia que essas frases foram tiradas completamente do contexto.

Ela apresenta ao longo do livro inúmeros estudos que demonstram como as construções sociais, a educação e a estrutura social contribuem para que a mulher tenha sim menos ambição mas porque foi praticamente obrigada a isso. Ela constrói todo um raciocínio da importância da igualdade na divisão de tarefas como uma das formas mais importantes de se alterar uma realidade que na maior parte das vezes praticamente expulsa os talentos femininos das empresas. Ela constrói também importantes métodos de empoderamento feminino mas certamente, uma coisa que ela não faz é culpar as mulheres pela atual situação vexatória de desigualdade de gênero no topo da pirâmide política e corporativa!!!

Falar em vitimização é um recurso comum dos que não querem perder seus privilégios, mas "suposta" conspiração masculina??? 

Seriam então delirantes os números das pesquisas de Stanford e Yale (este último citado pela própria matéria) que dão conta de que em pé de igualdade de currículos a maioria dos recrutadores seleciona homens e lhes apresenta propostas de salários bem maiores do que às mulheres? Seriam delírios da nossa TPM (pq né...) quando somos constantemente interrompidas em reuniões, temos nossas ideias roubadas e chamadas de mandonas e agressivas quando nos posicionamos? Alguém avise a Exame que a Sheryl Sandberg anda delirando também pois ao criar a campanha "Ban Bossy" é justamente para esta "suposta" conspiração que ela estava chamando a atenção. 


Falo isso com muita tranquilidade de quem teve uma carreira de destaque, incluindo um aumento salarial de mais de 500% em 4 anos e mesmo sendo mulher chegou ao corpo diretivo de uma multinacional do segmento automotivo sabidamente um ambiente altamente masculino e machista. E sim, eu consegui! Mas apenas porque trabalhei o dobro, quando não o triplo que meus colegas e mesmo assim tive que brigar, que lutar contra preconceitos e muitas vezes fui sim preterida por ser mulher, especialmente quando comecei a ser vista como "potencial futura mamãe". 

Falácia número 5: “Não funcionou lá vai funcionar aqui?”


Para finalizar a matéria em grande estilo e de forma coerente com a distorção de números apresentada até então, a Exame negrita em destaque e Caixa Alta NA NORUEGA, AS COTAS NÃO CONSEGUIRAM ALÇAR MAIS MULHERES À PRESIDÊNCIA ignorando completamente no desenvolvimento do texto que o número de mulheres presentes nos conselhos aumentou de 15% para 36% após a adoção das cotas, apesar da resistência à medida (sim! noruegueses também são machistas!), apesar dos alarmes fatalistas não terem se confirmado e da Noruega ter superado muito bem obrigada a crise financeira que abalou a Europa e o mundo recentemente!

Considerações finais sobre privilégios


Os argumentos contrários às cotas para aumentar a participação de mulheres em posições de poder (seja na politica, seja em Conselhos, seja no raio que o parta!) são muito parecidos às críticas às cotas raciais, de renda, e também, à abolição da escravidão e do voto feminino há pouco menos de 100 anos e todos sustentados na mesma base e na mesma lógica: a manutenção de privilégios!

Não acredita? Acha que estou de mimimi?

Pois peguemos esses dois últimos exemplos: a abolição da escravatura e o movimento anti-sufragista.

Aulas de história ficam por conta de vocês, mas para quem não sabe havia inclusive dentro do próprio movimento abolicionista uma parcela que defendia que “os negros deveriam conquistar a liberdade por si sós e não através de leis” ohhhhh wait... né?!

Dar uma passada pelas charges que ironizavam o voto feminino pode ser bastante instrutivo também...



“ahhhhhhh mas muitas mulheres também são contra as cotas!”

Pois muitas mulheres também eram contra o votofeminino:

As líderes anti-sufragistas norte-americanas pertenciam homogeneamente à classe alta – uma espécie de aristocracia urbana, e tinham acesso fácil ao mundo da governação por intermédio de laços familiares e de casamento, o que significa dizer que eram filhas, irmãs ou esposas de homens altamente colocados no mundo da finança, da indústria e da política. O facto de pertencerem à classe social dominante da América dos fins do século XIX é um elemento chave para se compreender a sua oposição em relação ao movimento de emancipação das mulheres. Em certo sentido, poderia dizer-se que para elas, especificamente, a emancipação não tinha grande significado, pois a sua posição era já influente e privilegiada e poderiam imaginar, com boas razões, que uma mais extensa democratização da sociedade só iria contribuir para uma diminuição dos seus privilégios de classe”.

Alguma semelhança?

A questão é que a conquista de direitos para uns necessariamente passa pela perda de privilégio de outros! É talvez a maliciosidade e a forma escorregadia com a qual essa matéria infeliz se disfarça de “preocupada” e a favor da igualdade que me incomoda. Mais honroso seria se fizessem logo uma charge no estilo das aqui linkadas.

Há quem diga que a conquista de direitos é um processo inerente ao avanço das democracias, e que, portanto, chegaríamos a uma legislação igualitária independente de lutas e de políticas públicas. Mais uma vez a história parece discordar diametralmente. Fôssemos depender do avanço democrático (e não de lutas) ainda teríamos a legítima defesa da honra (do homem), a mulher como incapaz civilmente, o estupro marital seria legal já que "meros caprichos - mimimi" não justificavam tolher do homem seu direito à propriedade do corpo de sua mulher. 


Me encaminhando à cama já às 02:25 prefiro ficar com a visão da Sheryl não distorcida:

“Um mundo de fato igualitário seria aquele em que as mulheres comandassem metade dos países e das empresas e os homens dirigissem metade dos lares.” (Sheryl Sandberg) 

E concluo com a frase de um dos melhores políticos e filósofos que a dramaturgia já viu: Tyron Lannister: 

"É fácil confundir "o que é "com "o que deveria ser", especialmente quando 'o que é' tem funcionado em seu favor."




Outas fontes: 

terça-feira, 2 de junho de 2015

Feminicídio

Sempre me incomodou como brasileira, cidadã e, principalmente como advogada, como o descaso com o cumprimento de regras por parte de parte da população leva a uma hiperatividade legislativa apenas para tornar mais severas punições para desvios de conduta que já não conseguíamos punir. Ou seja, as leis surgem para “corrigir” a falta de fiscalização de uma lei anterior que se fosse corretamente aplicada de forma isonômica já proporcionaria um convívio harmonioso em sociedade.

É fato que paira sobre nós a ilusão de que a severidade da pena de alguma forma inibe a conduta criminosa coisa que eu particularmente sempre questionei. Ninguém deixa de beber e dirigir porque a multa está mais alta mas muitos o fazem quando as blitz começam realmente a acontecer. Maior prova disso é o fato de termos cidades em que a Lei Seca “pegou” e outras em que tudo corre como sempre correu (vide Rio versus Curitiba). A certeza da punição é certamente mais eficaz na prevenção do delito do que a severidade de uma pena não fiscalizada, ainda que, na minha opinião não seja também a punição a razão pela qual as pessoas deixem de cometer crimes e os Estados Unidos são a grande prova disso afinal de contas um dos países com penas mais severos do mundo é também o líder absoluto em população carcerária. Se apenas a severidade e certeza das penas resolvessem porque cargas d'águas esses cidadãos insistem na criminalidade?!?!

Não deve causar espanto portanto que, à primeira vista, quando ouvia falar de criminalizar a homofobia e de tornar hediondo o homicídio pela condição de gênero minha primeira reação era de incomodo. Me pareceu sempre muito óbvio que esse tipo de crime já estaria qualificado (sendo portanto hediondos) em pelo menos duas (quando não em todas) das 5 qualificadoras possíveis[1]. Afinal o que é mais torpe e fútil do que atentar contra a vida de alguém pela sua condição de gênero ou orientação sexual? Como defender que um crime que não tenha fundamento outro que a irracionalidade e o machismo possa não se enquadrar em uma dessas qualificadoras?

Pois bem, eu estava errada!